sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O caminho para descobrir a si mesmo também passa pelo meio...



Falo hoje, de modo brevíssimo, de um assunto mais específico e que vai interessar, evidente e diretamente as pessoas que tem este tipo de crença ou entendimento, a saber, a mediunidade. Para alguns, pode ficar a impressão de que tal ocorrência seja uma capacidade "sobre-humana" ou algo "místico" ou o que o valha. Mas talvez não seja essa a melhor percepção do fenômeno. E isso por um simples motivo: os seres humanos, em sua caminhada cármica, na condição de criaturas em constante (e inexorável) mudança conseguem fazer a intermediação entre diferentes realidades ou mundos.

Explico. Não é difícil constatar que conseguimos, por exemplo, fazer literalmente um mergulho nas profundas águas do oceano, observando, pesquisando e conhecendo os seres que ali habitam e, num outro momento, estarmos no topo de uma imensa cordilheira montanhosa, procedendo de igual modo. Perceba que só falei de situações, digamos, concretas. Ocorre que nossa mente pode muito mais. De qualquer forma, trago uma informação qualificada acerca do assunto, oferecida por Hermínio C. Miranda, em seu "Diálogo com as sombras: teoria e prática da doutrinação", Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 58:

"Sabemos, por outro lado, do aprendizado espírita, que a mediunidade, longe de ser a marca de nossa grandeza espiritual, é, ao contrário, o indício de renitentes imperfeições. Representa, por certo, uma faculdade, uma capacidade concedida pelos poderes que nos assistem, mas não no sentido humano, como se o médium fosse colocado à parte e acima dos vis mortais, como seres de eleição. É, antes, um ônus, um risco, um instrumento como o qual o médium pode trabalhar, semear e plantar, para colher mais tarde, ou ferir-se mais uma vez, com a má utilização dos talentos sobre os quais nos falam os Evangelhos". [grifos não constam do original]

Será que nos damos conta de que também somos intermediários  de várias realidades diferentes? UMA delas é a do chamado "mundo invisível" (denominação kardecquiana) e a dos encarnados. Tratarei com profundidade esse assunto mais à frente mas, de qualquer forma, fica aqui o convite para que reflitamos acerca de nossas responsabilidades enquanto seres com nosso respectivo grau de consciência. Sempre recebi o ensinamento de que a responsabilidade cármica é diretamente proporcional à qualidade, quantidade ou grau da consciência e concordo com essa afirmação, em que pese entender também que não se trata apenas de uma questão de consciência. Mas, mesmo assim, no assunto mediunidade, é sempre bom ter cautela.

Paz e Amor a todos os Seres.

Tulio

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Os Engenheiros Siderais e o Plano da Criação



Este é o título do capítulo 17 do excelente  livro "Mensagens do Astral", de autoria de Ramatis, 16.ed., páginas 357 e 361, Limeira/SP, Editora do Conhecimento, 2005. É um livro escrito numa estrutura de perguntas e respostas sobre variados assuntos que o(a) leitor(a) poderá verificar ao acessá-lo. Por razões de conveniência virtual, transcrevo apenas alguns trechos que considero importantes e interessantes:

"PERGUNTA: Podeis dar-nos um exemplo mais acessível à nossa mente humana, acerca do que seja um Arcanjo Constelar?

RAMATÍS: - O Sol do vosso sistema planetário é o local exato em que atua a consciência do Arcanjo, Engenheiro, Construtor ou Logos da Constelação Solar, que é o Alento e a própria Vida de todo o conjunto de seus planetas, orbes, satélites ou poeiras siderais, inclusive os seres e as coisas viventes em suas crostas materiais. Esse Logos não se situa, com o seu sistema Planetário, num local ou latitude geográfica do Cosmo; o que o distingue principalmente é o seu estado espiritual vibratório, inacessível ao entendimento humano (...) O espírito Arcanjo ou Logos Solar, do vosso sistema, está presente e interpenetra todo o campo constelar solar que emanou de si mesmo, em harmoniosa conexão com as demais constelações e galáxias que se disseminam pelo Cosmo e que, por sua vez, são presididas, respectivamente, por outras consciências arcangélicas, e que formam progressivamente a inconcebível humanidade sideral.


PERGUNTA: - Afora essa concepção puramente mental, qual é a realidade indiscutível?

RAMATÍS: - A realidade indiscutível é esta: todas as galáxias possíveis de serem evocadas em vossas mentes formam o corpo de um Arcanjo que, por sua vez, coordena harmonicamente os Arcanjos de cada galáxia; em cada uma delas, o seu Arcanjo controla os sistemas solares e seu orbe, e o Arcanjo dos sistemas solares disciplina e provê cada sistema sob a sua direção mental e espiritual, enquanto cada Arcanjo ou Logos Solar materializa e alimenta a substãncia e os orbes do seu sistema. Em conseqüência, a Terra, Marte, Júpiter, Mercúrio, Saturno ou qualquer satélite menor de um desses orbes é, também, o corpo visível do Espírito Planetário, que é o verdadeiro coordenador das necessidades dos reinos, seres e coisas ali existentes.

Cada orbe possui o seu Arcanjo Planetário e é apenas uma 'vontade espiritual' arcangélica, materializada exteriormente e ligada ao infinito rosário de outras vontades maiores, que se fundem na Vontade última, que é Deus. Os Engenheiros Siderais são os 'reveladores', na forma tangível, daquilo que preexiste eternamente no mundo interior, mental e virgem de Deus; são intermediários submissos e operantes entre essa Vontade Absoluta e Infinita, para fazê-la pousar até nas rugas das formas dos mundículos microcósmicos!


PERGUNTA: - Há os que afirmam que as vossas mensagens perturbam os sistemas já consagrados pela tradição espírita, principalmente no tocante á extensa quantidade de obras doutrinárias, já produzidas por médiuns de merecimento, podendo-se, pois, dispensar vossas comunicações, consideradas dissociativas. Que nos dizei a respeito?

RAMATIS: - Qual o sentido dos 'sistemas" de que falais, na tradição espírita? Podereis, porventura, provar que os sistemas criados pelos homens, embora espiritualistas ou religiosos, podem superar o sistema do Amor que ainda falta à humanidade?Examinai e comparai a natureza dos múltiplos sistemas que pululam no vosso mundo, em todas as esferas da experimentação humana, inclusive os religiosos, e vereis a sua fragilidade. Vós achais, por exemplo, que é muito acertado o sistema de destruirdes os ratos, as baratas ou as serpentes, como animais daninhos, mas isso é porque não os apreciais como quitutes em vossas mesas (...) No entanto, se comparardes os vossos sistemas civilizados, de alimentação, com os de outros povos, será provável que emitais acres censuras ao saberdes de raças cuja alimentação se firma na criação de ratos e de serpes! A utilidade, portanto, das coisas criadas por Deus fica subordinada à simpatia e preferência de cada homem, de cada grupo, seita ou raça. Gostais de porcos e de bois, ou de galinhas cozidas em moderno vasilhame de pressão; recomendais, então, que se ampliem os frigoríficos, que se higienizem os açougues (...) Isto é 'bom', porque gostais de comer, mas aquilo 'não é bom', porque não gostais (...) O que apreciais está certo, o que detestais está errado. Que vos importa o sofrimento do suíno na engorda albumínica ou a tortura do ganso com o fígado hipertrofiado, arrastando-se pelo solo! (...) Assim raciocinais, também, quanto às crenças e aos sistemas religiosos ou espiritualistas."

Tulio

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - IX




Continuando nossos diálogos sobre o Carma, segue a transcrição do entendimento de W.W. da Matta e Silva, em "Umbanda do Brasil", São Paulo, Editora Ícone, 1996, p. 389 e seguintes:

"Toda e qualquer ação e reação ao espírito, no mundo das formas ou da matéria, isto é, da energia física propriamente dita e reconhecida, seja ela eletromagnética, atômica, etérica, etc, o mesmo (dentro do conceito oculto ou esotérico) a poeria atÕmica, homgênea, ba´sica, matriz de todas as subseqüentes forma dessa energia, se deu, ou se dá, por força de um carma constituído.

Esse carma assim denominado pela Escola Umbandista se constitui e se movimenta em conseqüência do rompimento do carma original ou causal; portanto, por si é um efeito, derivou de uma causa. Para esse tipo de carma - denominado Constituído - foi que as Hierarquias Regentes, por ordem Suprema, estabeleceram uma Lei (chamada a lei kármica dos hindus) que o fez dependente de um sistema especial - o da encarnação ou das reencarnações (...)

(...) o espaço cósmico, infinito, ilimitado. Considere-o uma natureza neutra, que independe, em sua estrutura íntima, quer de energia física propriamente dita, quer do espírito, como um entidade cujos atributos são a inteligência, a consciência, a vontade, a idéia, etc.

Essas três realidades (natureza neutra, energia física e espírito) são extrínsecas entre si, ou para dar uma idéia mais clara: espaço cósmico, espírito e energia (ou matéria), sempre existiram no seio da eternidade, sem terem sido engendrados um do outro, pelo Poder Supremo. Em suma, nenhum foi extraído ou derivado do outro. Todavia, preexistem, estão ligados ou entram na dependência um do outro. Dessas três realidades, nem o espaço cósmico nem a energia têm inteligência, consciência, vontade. Elas são atributos intrínsecos do espírito, que é da mesma essência do Pai, ou seja, de Deus.

E quanto a espaço cósmico e energia, são realidades que o Poder Supremo comanda, pode movimentar, desdobrar, dinamizar, imprimir, associar e desassociar, pois são, porque sempre o foram, em toda a eternidade, seus atributos externos (...)

(...) o Macrocosmos, também chamado Universo. Nele existem todas as incontáveis (além das observadas pelos estudiosos do assunto) galáxias, vias-lácteas, sistemas planetários, corpos celestes, inclusive o planeta Terra.

É o modus operandi que dá seqüência a nosso carma constituído. É onde o nosso espírito encontrou a energia, as propriedades e as qualidades da mesma, que facultam o gozo e as sensações diretas, objetivas (...)

(...) são essas legiões de seres espirituais que habitam o puro espaço cósmico, neturo, vaixo de energia, que formam o Reino Virginal ou o Cosmos Espiritual (...)

Por isso é que fica perfeitamente patente a existência de um carma original ou causal. A queda ou descida das legiões de seres espirituais implicou um rompimento desse carma original e conseqüentemente gerou outro aspecto, que se constituiu como um efeito dessa queda. É assim que a esse outro aspecto objetivo do carma causal nós denominamos carma constituído, porque esse é o que está afeto diretamente à matéria ou à roda das sucessivas encarnações".

Tulio

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - VIII




Um outro entendimento acerca do Karma é oferecido por C. Jinarajadasa, em "Fundamentos de Teosofia", São Paulo, Editora Pensamento, p. 61:

"A Lei do Carma é a enunciação da relação da causa com o efeito, que se estabelece quando o homem transforma a energia. Esta lei abrange não somente o universo visível e as suas forças como o faz a ciência, mas também esse universo mais vasto e invisível de forças, que é a verdadeira esfera da atividade humana. Do mesmo modo que, com um piscar de olho, o homem projeta no universo uma força que afeta o equilíbrio de todas as outras forças de nosso cosmos físico, assim também, com o vibrar de cada um de seus pensamentos e sentimentos, modifica o seu ajustamento no universo e o do universo em si mesmo.

Quando nos esforçamos por compreender o que é o Carma, o primeiro princípio a gravar é que nos ocupamos de uma força e de seus efeitos. Esta força pertence tanto ao mundo físico do movimento como ao mundo astral dos sentimentos, ou ao mundo mental dos pensamentos. Estes três tipo de força são com efeito postos em ação por nós: o primeiro pelas atividades do nosso corpo físico; o segundo pelos sentimentos de nosso corpo astral; o terceiro pelos pensamentos concretos e abstratos de nossos corpos mental e causal (...)

Cada ato nocivo equivale a uma força (...) projetada no universo, a qual atua em detrimento de outrem; mas com isso o equilíbrio do universo com esse outrem foi perturbado pelo ofensor, e tem que ser restabelecido a suas expensas.

Seu carma pelo dano causado é uma 'dor'; a força que produz tal dor é descarregada na vítima, tomada como ponto de apoio, restabelecendo-se assim o equilíbrio original. Com uma boa ação se dá o mesmo; seu carma, reação, é uma força que ajusta as circunstâncias de maneira a produzir um 'conforto' (...)

Mas cada força cármica deve descarregar a sua energia, porque 'o que homem semeia, isso também colherá'. Quando o homem 'colhe', as suas forças cármicas são cuidadosamente ajustadas, de maneira que a ação recíproca do bem e do mal possa produzir, como resultado final, um acréscimo de bem, por menor que seja. Se, por ocasião do nosso nascimento, todas as nossas forças cármicas de bem e de mal fossem postas em ação, como temos maior bagagem de mal que de bem, nossa existência seria tão cheia de dor e de tristeza, que quase não teríamos coragem para enfrentar a batalha da vida. Também, a fim de que possamos lutar e vencer e adicionar alguma coisa ao lado bom de nossa conta, e não ao mau, faz-se um cuidadoso ajustamento para cada alma, quando ela encarna.

Tal ajustamento é feito pelos Senhores do Carma, estas inteligências benfazejas que, no Plano do Logos, agem como árbitros do Carma. Eles não recompensam nem punem; limitam-se a ajustar a operação das forças do próprio homem, a fim de que o carma o ajude a dar um passo adiante na evolução (...)

Podemos compreender agora como, até certo ponto, há um 'destino' para cada homem, pois 'destino' é a quantidade de bom e mau carma escolhida para ele pelos Senhores do Carma, para determinada vida. Seus pais, a hereditariedade, as pessoas que o ajudarão e as que o embaraçarão, as oportunidades, as obrigações, a morte - eis no que se constitui o seu 'destino'. Mas tais forças, enquanto se esgotam, NÃO LHE IMPÕEM A MANEIRA DE REAGIR A ELAS. POR PEQUENA QUE SEJA SUA VONTADE, ELA É AINDA LIVRE; ELE PODE REAGIR CONTRA O SEU ANTIGA CARMA E PRODUZIR UM NOVO CARMA QUE TENHA MAIS DE BOM QUE DE MAU". [grifos não constam do original]

Tulio

segunda-feira, 22 de agosto de 2011



Dentro do tema inicialmente proposto, a saber, o Karma, trago este bonito trecho de "Psicologia da alma: chaves para a ascensão", 6a. ed., São Paulo, Editora Pensamento, 2006, p. 246:

"A lei básica do karma decreta que você colhe aquilo que semeia; aquilo que você lança ao vento acaba voltando. É a lei de causa e efeito. Você pode até pensar que muitas pessoas que vivem neste mundo aprontam e saem ilesas. Mas eu estou aqui para lhe dizer que ninguém escapa impune. Como disse Edgar Cayce, 'cada i, cada vírgula da lei é cumprida'. O interessante acerca da lei do karma é que ela se estende ao longo de muitas vidas. Ainda que aparentemente alguém tenha tirado vantagem de oura e escapado ilesa, na verdade não é isso o que acontece. A alma permanece ainda que tenha encarnado em outro corpo físico (...)

Há diferentes níveis de karma. Isso de que eu venho falando até aqui é aquilo que eu denominaria karma pessoal - aquilo que você pessoalmente colocu em movimento com o poder da sua consciência. O segundo tipo de karma é o karma de grupo. Quando você encarna neste mundo, nasce num grupo identificado pela cor da pele, filiação religiosa, etc. Uma pessoa nascida num corpo de pele negra nos Estados Unidos sofre com o racismo e o preconceito, nãoporque a pele negra é inferior à branca, mas por causa do baixo nível de consciência espiritual de muitas almas deste plano. Uma pessoa que nasça num corpo de pele negra, ou em qualquer outro grupo minoritário, assimila as lições kármicas desse tal grupo.

Outro tipo de karma é o nacional. Você nasce num determinado país, e, depois, é doutrinado com suas identificações egoístas. Se, por exemplo, houvesse uma guerra entre a China e os Estados Unidos, os habitantes de cada país se enredariam em suas próprias lições kármicas nacionais. Você não é uma ilha. Depois, há o karma do planeta. Esta escola específica chamada Terra proporciona lições bem diferentes daquelas assimiláveis em outros planetas desta galáxia ou deste universo. Você precisa lidar com o karma do planeta e com a fase histórica em que nasce.

Também é possível dizer que todo karma é pessoal, pois você, como alma, scolhe a cor da pele, a família, a religião e o país antes de encarnar. A palavra 'karma' muitas vezes é associada ao mau karma, à idéia de que você precias experiamentar alguma forma de sofriemnto por conta de uma lição ainda não aprendida (...)

Não há necessidade de sofrer. O sofrimento não faz parte dos desígnios de Deus; é, na verdade, um desejo seu. É um sinal de que você está deixando que o ego negativo, o seu separado e fundado no medo, aja como guia, quando na verdade tal função é prerrogativa da alma ou do espírito. Não existe pecado. Pecado, supostamente, é alguma manca indelével no seu caráter, algo que não pode ser removido. Mas essa é uma noção egoísta, e não espiritual. Não existem pecados, mas apenas erros. O verdadeiro significado do termo pecado é 'errar o alvo'. Erros são na verdade positivos, e não negativos. A idéia é aprender com eles e, acima de tudo, PERDOAR A SI MESMO. SER PERFEITO NÃO SIGNIFICA JAMAIS COMETER UM ERRO. A VERDADEIRA PERFEIÇÃO É SEMPRE PERDOAR-SE PELOS ERROS, aprendendo com a experiência."

Para refletirmos e APLICARMOS em nossas vidas...

PAZ, PAZ, PAZ

domingo, 21 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - VII




A úlima panca-sila trata de um assunto que ensejaria uma infinidade de interpretações. Por isso, tentarei ser o menos discursivo possível. Ao se dizer que se deve evitar os intoxicantes, é possível que se possa entender ao menos que: 1) não se deve ingerir comida, líquidos ou quaisquer alimentos que possam de alguma forma produzir algum tipo de efeito intoxicante, como por exemplo, chás alucinógenos ou bebidas alcoólicas; 2) não se deve interagir com qualquer tipo de substâncias que possam produzir efeitos danosos como, por exemplo, cigarros, drogas e coisas afins; entre outras interpretações possíveis.

Entendo que é sempre importante ter em mente um princípio simples, mas de largo espectro de atuação, ou seja: valer-se de tudo aquilo que possa conduzir ao despertar. Pode parecer bastante genérico, mas vejamos como isso se dá na prática. De um modo geral o ocidente, segundo entendo, tornou-se, por assim dizer, "permissivo demais". A acumulação capitalista, a grande quantidade de correntes filosóficas e religiosas, entre outros fatores contribuíram para que fosse formada, além de outros efeitos, uma permissividade e/ou falta de disciplina em relação a determinados, os quais saltam aos olhos. As festas orgiásticas, o desregramento, a noção de que "se tenho dinheiro eu posso", auxiliaram em muito para que no mundo ocidental (quase) todo tipo de experiência possa ser, dentro de certos parâmetros e num certo tempo, vista em alguns casos até como "salutar".

Exemplifico: nenhum de nós, ocidentais, ao menos até onde sei, recebeu em sua educação formal, aulas ou orientação sobre hábitos alimentares, o que, em regra, só é feito quando a pessoa opta por fazer uma universidade de nutrição. Basta dizer que os Estados Unidos é o país onde mais se morre de enfarto do miocárdio no mundo. E por que? Bom, seria no mínimo ingenuidade não considerar que os americanos comem a comida mais gordurosa do planeta.

O que quero dizer com isso?
Compreendo que o "espírito" da última panca-sila, ou seja, evitar os intoxicantes deve ser visto de uma forma bastante simples, ou seja: evitar tudo aquilo que, de alguma forma, cause um torpor ainda maior do que aquilo que ordinariamente já vivenciamos. E qual a razão de ser desta afirmação? Partindo do princípio que tudo, absolutamente tudo é elaborado e/ou percebido pela mente, chegamos a (quase) incontestável conclusão de que toda a realidade, ou, melhor dizendo, tudo aquilo que se denomina realidade é uma combinação de fatores, que remonta ao que o Buda Shakyamuni já ensinava como sendo a nossa já conhecida realidade condicionada.

Desta forma, parece-me evidente que, se nossa mente, em razão das delusões (ou ilusões), infinitos renascimentos anteriores, entre outros motivos, está, por assim dizer "programada" para perceber (uma) realidade de determinada maneira, é no mínimo sensato agir no sentido de que a própria mente torne-se mais e mais, digamos, "pura", ou esclarecida. Porque, se é a mente que está coberta pelas ilusões é também por intermédio de uma mente pacificada, lúcida, clara, que poderemos perceber o Uni-verso como ele em última palavra se manifesta e apresenta e, assim, iniciar o processo de atingimento da budeidade.

Por conseguinte, todas as formas de torpor, causadas pelo álcool e quaisquer outros tipos de drogas, evidentemente só poderiam contribuir para a manutenção de nossas ilusões. Mas, é bom que se diga algo sobre isso. Não quero aqui fazer apologia no sentido do ataque ou defesa de drogas ou, genericamente, quaisquer intoxicantes, mas sim fazer a defesa de algo mais simples, como o bom-senso...Por que digo isso? Na minha opinião, não vejo o menor mal em, num belo dia, reunir-me com amigos, num ambiente harmônico, para conversarmos, tudo isto regado a um bom vinho com saborosos queijos... Que mal há nisso? Não vejo nenhum...
Tulio

O Karma e suas implicações - VI



Após algumas reflexões, podemos passar à quarta panca-sila, a saber, evitar o discurso inútil, infrutífero, evitar a tagarelice, entre outras denominações que possamos dar. Inicialmente, entendo que esta panca-sila, em sua essência, quer nos transmitir a idéia de que se deve evitar todo tipo de palavra (falada, escrita e/ou pensada) que não contribua ou conduza à liberação do sofrimento. Dito de outra forma, é evitar todo discurso que, de alguma maneira, não (en)seja o despertar. Qual o significado, digamos, operacional, disto?

Em primeiro lugar não se trata, ao menos ao nível de seres ordinários, de que não se ouça, fale ou não se leia nada que não sejam textos do/sobre o Dharma, até porque, regra geral, 99% das pessoas não são monges ou monjas e, afinal de contas, é necessário trabalhar, pagar contas, entre outras atividades. Desta forma, é mais do que sensato que nos dediquemos sinceramente às nossas tarefas pessoais/profissionais e as mantenhamos com dedicado labor. Assim, tomando meu exemplo, é evidente que para manter-me em minha profissão, é necessário que eu também leia, converse e discuta questões jurídicas, visto ser advogado.

Além disso, entendo ser absolutamente saudável (e necessário) que se leia, converse e divulgue textos não apenas sobre outras tradições religiosas ou mesmo filosóficas, mas também as várias outras formas de expressão escrita como romances, revistas, entre outras, não apenas como meio de nos mantermos informados sobre novidades, mas também como forma entretenimento construtivo. É evidente que estou falando de conversas, textos, artigos elaborados por pessoas sérias, que sinceramente dedicam-se a promover a cultura, o conhecimento e principalmente a melhoria tanto individual quanto coletiva.

Em segundo lugar, não vejo muito sentido em se buscar ou mesmo estar em contato com pessoas e/ou textos (e mesmo ambientes) nos quais reiteradamente se faz a crítica pela crítica, a calúnia, a maledicência, ou seja, toda a forma de depreciação alheia ou mesmo pessoal.
Um outro viés quanto à quarta panca-sila diz respeito ao fato de que ao sugerir para que evitemos a tagarelice, tal preceito tem uma nítida função pedagógico-funcional. É que ao não perdemos nosso tempo em conversas sem sentido ou literalmente inúteis, evitamos expressamente a perda de energia com tais atividades e canalizamos nosso raciocínio e palavras para atos construtivos.

Desta forma, nosso discurso orienta-se no sentido de procurar não apenas a palavra mas o conteúdo adequado, indicado para que aqueles(as) que ouvirem possam ser ajudados e também nos ajudem. Há também um desdobramento dessa panca-sila. É que ao nos mantermos afastados do discurso inútil, automaticamente nos afinamos com ambientes, pessoas, situações que estejam, por assim dizer, na mesma "faixa vibratória". Entendo que não seria de se esperar, por exemplo, ver o Cristo, Buda ou mesmo quaisquer outros(as) iluminados(as) blasfemando, injuriando, mentindo, maledizendo. Em consequência, é de se esperar que aqueles(as) que também se identificam com tal postura, dificilmente iriam agir de modo diverso.

É bem verdade que fica um pouco difícil identificar o que seria um discurso "inútil" em se tratando de contemporaneidade, onde existem tantas formas de comunicação e tanta coisa não faça sentido ou mesmo faça sentido tão diferente do que se considera "correto". Mas um (e não apenas o único) critério para tal reconhecimento, seja o de perceber se a pessoa que fala, usa seu discurso para fazer meramente  crítica, ou seja, a famosa "crítica pela crítica", sem sequer fazer menção a aspectos positivos daquele(a) que se critica. Aliás, a própria crítica, segundo entendo, talvez não seja algo que leve muito a algum lugar, quando encarada em si mesma. É que atualmente, ao termo "crítica" foi dado o sentido de "depreciação", "análise pejorativa" o que, rigorosamente e até onde entendo, não contribui em muita coisa.
Tulio

O Karma e suas implicações - V



Ainda sobre o assunto da terceira panca-sila, muito pode ser dito. E por isso é importante também compreendermos bem do que estamos falando. Quando se fala "sensual" está se referindo, como já dito, aos sentidos que, como já sabemos, para o Budismo envolvem não apenas os cinco tradicionais do ocidente, mas também a mente. Desta forma, nossa relação com o mundo ou, de maneira mais profunda, o próprio mundo é literalmente elaborado (percebido/interpretado) por nossos sentidos e, em última análise, por nossa mente. É o que nos diz Kalu Rinpoche em seu maravilhoso "Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano".

Já que o Budismo enfatiza também a questão dos nossos sentidos como meio para que mantenhamos uma prática no caminho à Iluminação, não é de se espantar que os atos, pensamentos e palavras devam ser tão ponderados, por assim dizer. Faz total sentido, visto que tudo em nível ordinário gera karma, ou seja, gera suas conseqüências. Sendo assim, fica um pouco evidente que nossa conduta quanto ao corpo, à mente e todas as decorrências deve ser considerado como importantíssimo.

Uma questão que pode surgir, por se tratar de assunto que chama muito a atenção da maioria das pessoas, a saber, a conduta sexual. Num contexto budista, o que viria a ser considerado como negativo em termos sexuais? É algo a se pensar. Alguns poderiam argumentar que o "ideal" seria não ter relações sexuais. Outros, que a grande quantidade de doenças sexuais da atualidade decorre justamente da má conduta sexual humana, ao longo de milênios. Há parcela de verdade nesses argumentos, mas talvez o ensinamento vá além. Talvez a moralidade passe muito antes pelo próprio desejo, não no sentido de reprimí-lo, mas de elaborá-lo mental e fisicamente, bem como lidar com tal situação de uma forma não-prejudicial.

Tulio


sábado, 20 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - IV



Podemos passar à segunda panca-sila, ou seja, não tomar o que não nos foi dado. Pode parecer um pouco óbvio este preceito, se o entendermos apenas no sentido (material) de não furtar e não roubar (sendo que o furto e o roubo são juridicamente definidos como "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel", para o primeiro, e "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel mediante grave ameaça ou violência", para o segundo).

Desta forma, é relativamente simples compreender que devemos usufruir das coisas que conseguimos por nosso próprio esforço, ou seja, por intermédio de nosso trabalho e, desta forma, podemos comprar ou trocar coisas. Com tal preceito o Buda de fato incentivou sempre não apenas que se dê o devido valor ao trabalho, às coisas, mas também o fato de que ao trabalhar para obtê-las, (supostamente) não estaríamos prejudicando ninguém, além de estarmos fazendo algo de útil para outras pessoas.

É sempre bom lembrar que tais preceitos tem um caráter, segundo entendo, nitidamente (mas não exclusivamente) pedagógico, ou seja, ao trabalharmos para obter as coisas, também vamos progressivamente desenvolvendo a consciência de que outros seres também se esforçaram para acumular mérito e, por isso, não seria adequado furtar ou roubar o que tais seres justamente conseguiram.

Também não vejo dificuldade em perceber que ao aceitar doações, evidentemente não estamos tomando o que não nos foi dado, pelo óbvio que, sendo assim, não foi tomado. Ou seja, espontâneamente alguém quis nos ajudar e praticar a bondade e, segundo entendo, não seria apenas indelicadeza, mas também um gesto de ingratidão para com o(a) doador(a).
A terceira panca-sila, ou seja, evitar a má conduta quanto a questões sensuais, assim como as outras, permite uma série de interpretações e/ou discussões. Para evitar ficarmos falando daquilo que não nos auxilia, vou me ater a alguns assuntos que reputo mais urgentes e/ou práticos, por assim dizer.

Em primeiro lugar, é importante que reflitamos sobre o próprio preceito e seu significado, para em seguida, meditarmos sobre seus desdobramentos. Quando se diz "evitar má conduta sobre questões sensuais", logo de início já podemos perceber que o Budismo e o próprio Buda tinham uma consideração especial sobre nossa relação com a experiência, ou seja, que esta também seja um elemento muito importante para o desenvolvimento da sabedoria, visto que por meio de nossas experiências podemos acumular não apenas informações sobre como se relacionar conosco e com o mundo, mas também, e talvez principalmente, acumular mérito a fim de que se desenvolva uma sabedoria transcendente.

Desta forma, é evidente que durante nossos renascimentos temos uma infinita quantidade de experiências, táteis, gustativas, olfativas, auditivas, visuais e mentais (lembrando sempre que a mente, para o Budismo, também é um órgão sensorial) . É justamente esse infinito conjunto de experiências que vão contribuindo (e não apenas determinando) para que o carma desenvolva-se. Exemplificando: um ser humano que ao longo de, digamos, 100 vidas terrestres tenha inúmeras experiências com, por exemplo, música, seja como um músico, cantor ou o que quer que seja, teria (ao menos por lógica) condições favoráveis  para que, num futuro renascimento, possa aflorar sua tendência para a música, o que não se trata de uma conclusão ou consequência necessária.

Desta forma, nossos seis sentidos, os cinco "comuns" acrescidos da mente fazem a "leitura" da "realidade" na qual estamos e também por intermédio deles vamos elaborando nossa relação com o mundo, as pessoas, e conosco.
Bênçãos para todos os Seres.

Tulio

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - III



Vou fazer algumas considerações acerca do primeiro dos preceitos da panca-sila, a saber, não matar e não ferir qualquer ser. É preciso lembrar, em primeiro lugar, que se trata(m) de preceito(s) que tem um propósito específico, ou seja, não se trata apenas de uma regra estabelecida apenas para que se torne letra vazia de sentido: conduzir à libertação do samsara.

Desta forma, ao dizer que não se deve matar ou ferir outros seres, poder-se-iam traçar várias exegeses acerca da mesma. Mas, segundo entendo, o bom senso deve prevalecer. Se levássemos tal preceito às últimas conseqüências, sequer poderíamos comer um alface, visto que, ao cortar o pé de alface, estaríamos matando um outro ser vivo. A seguir este raciocínio, teríamos que "viver de luz"...Talvez isso se aplique a seres de outros planos, como nos reinos paradisíacos, mas, em nível ordinário como o nosso e para todos os seres de nosso plano de existência, ainda não é praticável.

Assim, entendo que uma das primeiras coisas que devemos ter em mente para este preceito é a nossa intenção. Parece-me evidente que, por exemplo, ao estar dirigindo numa estrada, em velocidade regular, e se um cachorro, uma pessoa, entre outros, deliberadamente se atira na frente do seu carro, é atropelada e morre, é sensato compreender que não tivemos sequer o desejo quanto mais a culpa no sentido de ocasionar o desencarne de tal criatura. Por outro lado, por uma série de ligações cármicas, também entendo que pelo simples fato de ter acontecido, é evidente que trata-se de um resgate cármico. Agora, como cada pessoa lidaria com tal situação, também faria muita diferença.

Retomando o ponto inicial, temos sempre que pensar na intenção ao lidar conosco e com o Universo. Talvez a atitude "extrema" de se sacrificar para que outro(s) seres(s) não sejam mortos ou feridos fosse considerada por muitos como suicida ou doentia. Não entendo dessa forma. Nas Jatakas, inclusive, existem vários relatos do Buda se sacrificando para que outros seres, futuramente, venham a ser seus discípulos.

Ainda comentando a primeira das panca-silas, a saber, não matar e não ferir nenhum ser, podemos fazer ainda algumas inferências. Em primeiro lugar, parece-me razoável que numa situação extrema seria sensato tomar uma atitude que, aparentemente, contrariaria o preceito. Imagine-se uma situação na qual um pessoa, por intermédio de uma bomba, ou o que quer que seja, poderia causar a morte de, digamos, 3000 mil seres humanos e nossa única, exclusia, absolutamente definitiva alternativa, para evitar tal tragédia, seria matar tal pessoa. Qual atitude a tomar?

Penso que seria falta de bom-senso considerar que, pelo fato do preceito nos colocar como regra que não devemos matar ou ferir outros seres, deveríamos deixar acontecer a mortandade de 3000 outros seres. Com isto quero deixar absolutamente claro que não concordo, não aprovo e não coaduno com quaisquer formas de violência gratuita ou deliberada. Talvez, na situação acima, o ideal seria que chegássemos ao extremo de nos sacrificar pela vida de tais pessoas. Mas, como já comentei, em se tratando de seres ordinários, tal pedido parecesse descabido.

Uma digressão acerca da primeira panca-sila diz respeito, por exemplo, ao fato de comer ou não comer carne animal. É evidente que se se come carne (bovina, aves ou peixes), também se está participando de uma cadeia que se inicia pela matança daqueles seres e, no mínimo, concorda-se com isso. Interessante que passei praticamente 20 anos sem comer carne e, neste ano de 2011 retomei esse hábito alimentar. Mas, sinceramente, não entendo que esse seja o ponto principal para o caminho da iluminação.

Como já disse em outras passagens, o fundamental é nossa atitude (mental, discursiva, da prática), nossa intenção, nossa postura e conduta diante de nós mesmos e daquilo que nos rodeia.

Paz, Paz, Paz.
Luz, Luz, Luz.
Amor, Amor, Amor.

Tulio

O Karma e suas implicações - II



Por último, um ensinamento profundo do Senhor Kalu Rinpoche, em seu excelente "Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano: Budismo Vivo, Budismo Profundo, Budismo Esotérico", Brasília: Shisil, 1999, p. 198: "... estudar a lei infalível do karma. A expressão tibetana que a designa, composta de três palavras (le-gyu-dre), abarca o princípio:
. le significa 'ato', em um sentido que se estende a toda nossa personalidade: o que nós fazemos com nosso corpo, nossa palavra e nossa mente;

. gyu significa 'causa': todos os nossos atos, positivos ou negativos, deixam uma marca em nossa mente, que é a causa de um acontecimento futuro;

. dre significa 'resultado': procedendo da causa positiva ou negativa, os atos produzem um resultado correspondente sob a forma de uma situação feliz ou dolorosa.

A lei do karma significa, portanto, que nossos atos são causas que engendram, segundo sua natureza, resultados definidos.
Os atos são chamados negativos quando têm como resultado no futuro, sofrimento para seu autor. Sua natureza é descrita em detalhe em diferentes textos, mas a resumimos em dez:
. três atos negativos do corpo:
- suprimir a vida;
- tomar o que não é dado;
- ter uma conduta sexual incorreta;

. quatro atos negativos da palavra:
- a mentira;
- as palavras que ferem;
- os propósitos que criam a discórdia;
- as palavras ociosas;

. três atos negativos da mente:
- a cobiça;
- a malevolência;
- as visões errôneas (...)

A variedade dos destinos humanos é extremamente grande: alguns têm uma vida curta, outros uma vida longa; alguns gozam de uma boa saúde, outros sofrem de uma compleição doentia; alguns são ricos, outros pobres. A maior parte das pessoas não vêem explicação para essa diversidade. 'É assim', pensam simplesmente. Na realidade, o acaso não significa nada: a disparidade dos destinos se deve à disparidade dos karmas."

Considerando tudo o que foi anteriormente dito, acho que podemos agora fazer algumas considerações sobre alguns pontos específicos, visto que o tema é por demais abrangente. O primeiro que gostaria de ater-me é, por assim dizer, de natureza conceitual, por um lado, e referente às conseqüências, por outro. Vou insistir num ponto que já havia comentado anteriormente. É que ao dizer que palavra karma significa "ato" pode parecer que deveríamos nos preocupar apenas com aquilo que se faz, mas não com aquilo que se deixa de fazer, o que, na minha opinião, pode gerar vários inconvenientes, além de talvez não ser a interpretação mais adequada do que o princípio nos deixa perceber.

Em nossas vidas, praticamos uma série infinita de atos, palavras e pensamentos mas, por outro lado, também deixamos de fazer uma infinidade de coisas. Parece evidente que, por exemplo, ao ver um acidente de carro, com pessoa(s) acidentada(s) precisando de ajuda, caso não se tome providências, ou seja, caso deixemos de auxiliar tais pessoas podendo fazê-lo, entendo que fatalmente haverá conseqüências. Neste ponto, então, podemos perceber que não apenas a inação (ou inatividade), mas também a intenção é um fator importantíssimo em nosso comportamento. É claro que, ao deixar de fazer ou fazer algo, tal elemento está presente.

Desta forma, seria bom refletirmos sempre em relação não apenas ao que fazemos mas também ao que deixamos de fazer. Aqui vai uma provocação: fazer (ou deixar de fazer) implica necessariamente na exclusão de seu antípoda? Dou um exemplo: se você não dá uma "esmolinha" no meio da rua, você necessariamente está contribuindo para que não haja mais pedintes?

Vou insistir acerca de um ponto, mas que entendo ser pertinente. É que o Senhor Gautama também enfatizou sempre, segundo a tradição Páli, sobre a inevitabilidade do carma. Significa isso que por mais que não queiramos, todos os atos, pensamentos e palavras produzidos ao longo de incontáveis renascimentos fatalmente irão produzir suas conseqüências. Por mais que se queira fugir de tais, por assim dizer, fatalidades, nos será impossível.
A partir daqui oriento as inferências no sentido da tradição do Budismo, visto que é a base de meus ensinamentos. Desta forma, um tema é intrinsecamente ligado ao carma, visto que uma das propostas do Budismo é justamente eliminar o sofrimento: se, ao nos depararmos com o Dharma, desenvolvermos consciência, e desenvolvermos plena compreensão de que "tudo" (em termos de seres ordinários ou comuns) gera carma, é evidente que para que possamos não apenas transcender mas não mais gerar carma, é imprescindível uma linha, um norte em nossas ações, pensamentos e palavras. Dito de outra forma, é sabido que sem uma ética, um conjunto mínimo de regras, fica complicado de seguir a senda para a Iluminação.

Um bom início, entendo, é iniciar pela ética, por assim dizer, primordial, que no Budismo chama-se panca-sila, ou preceitos básicos. São eles: 1) não matar ou ferir outros seres; 2) não tomar o que não lhe foi dado; 3) evitar a má conduta em questões sensuais (e não apenas sexuais); 4) evitar o discurso infrutífero; 5) não tomar intoxicantes.

Segundo a tradição, o próprio Gautama teria prescrito essas regras principais para uma conduta santa, a fim de que se possa estabelecer um terreno fértil para que se possa atingir a Iluminação. Cada um de tais preceitos, por sua vez, gera uma série de algumas considerações que, nas próximas postagens, farei. Se para algumas pessoas parecem ser preceitos "difíceis" seguir, o que dizer de monges e monjas que tem que seguir mais de 200 preceitos?

Tulio

O Karma e suas implicações - I


Por considerar importante que tenhamos uma visão relativamente ampla do maior número tradições filosóficas e/ou religiosas do que venha ser o conceito do carma, vamos a outras opiniões.

Esta, encontra-se no livro "A Reencarnação", de Patrick Ravignant, São Paulo: Martins Fontes, 1986, Coleção Oriente Secreto, p. 53: "A palavra karma provém de uma raiz sânscrita que significa 'agir', 'ação'. O karma é a ação no sentido mais completo e geral do termo, considerada não mais isoladamente, mas de maneira global, na medida em que toda ação se inscreve numa cadeia indissociável e ininterrupta de causas e efeitos. Tudo no universo é ação, e cada ação se desenvolve produzindo seus frutos, segundo um processo submetido a um determinado número de leis universais. No plano físico, essa causalidade parece evidente: se eu me pico, se recebo um golpe, sinto dor, etc.

Mas ela governa também os domínios emocional e mental, cada paixão e cada pensamento acarretando repercussões psicológicas de que resultarão outras paixões e outros pensamentos, numa roda sem fim. Em resumo, colhemos sempre, forçosamente, de uma maneira ou de outra aquilo que semeamos.
O que é preciso compreender bem, no mecanismo do karma, é que, ao agir sobre o mundo, em qualquer nível que seja, agimos antes de tudo sobre nós mesmos. As coisas, os seres, as situações aparecem e desaparecem na tela de nossa consciência. Intrinsecamente, um acontecimento é, ao mesmo tempo, neutro e desprovido de existência própria, porque inseparável da totalidade do mundo fenomenal. É nossa mente que fraciona a realidade, isola esta ou aquela seqüência, qualifica-a de agradável ou desagradável, de benéfica ou maléfica. Não são as coisas que nos atraem ou repugnam, nos exaltam ou nos aborrecem: é a opinião que temos das coisas."

É bom esclarecer que o conceito acima trata-se da tradição do Hinduísmo. Por sua vez, esta última tem pontos de contato com o Budismo, cujos conceitos veremos à frente.

Mais algumas aproximações sobre o Carma. Nesse particular, aliás, é muito interessante observar que no "Livro dos Espíritos", integrante da codificação Kardecquiana, não consta um tratamento específico sobre o carma, sequer num capítulo, ao menos de maneira explícita. Vejamos no "Livro dos Espíritos", de Allan Kardec, São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 2003, p. 105: "Sobre o que está baseado o dogma da reencarnação? Sobre a justiça de Deus e a revelação, pois, repetimos sempre: Um bom pai deixa sempre aos seus filhos uma porta aberta ao arrependiemnto. Não lhe diz a razão que seria injusto privar para sempre, da felicidade eterna, todos aqueles cujo progresso não dependeu deles mesmos? Não são todos os homens filhos de Deus? Somente entre os egoístas se encontram a iniquidade, o ódio implacável e os castigos sem perdão. Todos os Espíritos tendem à perfeição e Deus lhes fornece os meios pelas provas da vida corpórea; mas, em sua justiça, lhes faculta realizar, em novas existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova".

Do que foi visto, podemos elencar algumas inferências do que podemos entender ou perceber do que venha ser o carma:

1) é um princípio ou lei presente em todo o Universo, material ou imaterial, significando isso que nada nem ninguém "escapa" ao carma. Fazendo uso (não literal) das palavras do próprio LLorde Shakyamuni, mesmo dentro da mais alta montanha, no mais profundo dos mares, ou em qualquer reino que se esteja, todos os seres estão submetidos à lei do carma;

2) é um princípio ou lei de caráter totalmente impessoal, significando isso que não há, absolutamente, "alguém" que esteja "punindo" ou "recompensando" alguém pelos atos praticados;

3) o carma funciona, por assim dizer, automaticamente, independentemente de uma "ordem" ou "comando" de uma autoridade espiritual, pois trata-se da sucessão, por assim dizer, de causas e conseqüências ou, dito de outra forma, de ações e reações cármicas;

4) não há uma noção de valor no carma, ou seja, alguém não nasce "bom" ou "mau", apenas a conseqüência
de atos, pensamentos e palavras praticados, se forem positivos ou negativos, gerarão necessariamente condições positivas ou negativas num futuro renascimento e, além disso, se reunidas as condições suficientes para tal;

Ocorre que cada indivíduo carrega em seu corpo (peri)espiritual uma quantidade de informações cármicas que estão, também, latentes, em cada um. Desta forma, surgindo a oportunidade, caberá à cada um optar por (re)ativar o que já se encontra presente não apenas no psiquismo, mas também em níveis muito sutis de uma pessoa, que no Budismo são chamados samskharas, ou formações cármicas.

Até certo ponto é correto dizer, por um lado, que nosso destino está "pronto", mas é imprescindível perceber que ao dizer isso, deve-se compreender que há coisas que não poderemos alterar, como o fato, por exemplo, de alguém renascer na condição de uma pessoa portadora de necessidades especiais. Por outro lado, mesmo em tais condições, cabe a tal pessoa optar por esta ou aquela atitude.

Continuemos.

O Karma e suas implicações





Pessoas Amadas,

esta e as próximas postagens serão dedicadas específica e explicitamente ao primeiro assunto de natureza típica, por assim dizer, "espiritualista". Na verdade, tratam-se de textos que produzi há alguns anos e que postei no Orkut, em uma Comunidade de Budistas Tibetanos e que, agora, migro tanto para meu blog quanto compartilho aqui no Facebook. Vamos à elas.

Sempre senti que um dos mais palpitantes assuntos para todos(as) que se dedicam a um caminho (seja ele qual for) de superação e de transformação interior é justamente o karma (ou carma, aportuguesado). Sendo assim, nesta e nas próximas postagens vou repassar as que fiz na lista de discussão de Budismo Vajrayana do Orkut acerca do tema (depois explico o que vem a ser Budismo Vajrayana)
Vamos iniciar este assunto tomando como conceito o verbete karma, o qual encontra-se no "Oxford Dictionary of Buddhism", de autoria de Damien Keown, p. 137, numa tradução livre: "A doutrina do carma afirma as implicações éticas da lei básica universal do Dharma, uma das quais é que as escolhas deliberadas e atos de fundo moral inevitavelmente acarretam conseqüências. É impossível escapar a essas conseqüências e ninguém, nem mesmo o Buda, tem o poder de perdoar más ações e o breve circuito que inevitavelmente as conseqüências seguem. Um pensamento, palavra ou ação inadequada, praticada por alguém são influenciadas pelas três raízes do mal, enquanto as boas ações estão em oposição àquelas, chamadas as três raízes virtuosas. Essas boas ou más raízes, fomentadas ao longo de muitas vidas engendram disposições as quais predispõem os indivíduos em direção à virtude ou ao vício (...) O Karma detemina em quais dos seis reinos de renascimento alguém renasce, e influencia a natureza e qualidade das circunstâncias individuais (por exemplo, aparência física, saúde e prosperidade). De acordo com o pensamento Budista o envolvimento do indivíduo no samsara não é o resultado de uma 'queda', ou devido ao 'pecado original', por meio do qual a natureza humana torna-se defeituosa. Cada pessoa tem a responsabilidade final por sua própria salvação e o poder de livre escolha por meio do qual escolhe o bem ou o mal".

Nas próximas postagens transcreverei conceitos de outros autores...

Tulio

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um dos sentidos da luta




Se há 2 ou 3 séculos atrás as lutas individuais e entre os países indicavam, entre outras coisas, a sêde pelo poder, a imperiosa necessidade de sobrevivência ou mesmo a ainda não elaborada consciência de uma coletividade em harmonia, atualmente percebo que as batalhas adquiriram outros sentidos. E um deles, certamente, é o da peleja interior pela superação de tudo aquilo que ao longo de um período relativamente longo ou breve foi transformado em dificuldades.

Estas últimas existem de todo tipo. Para alguns, significa um impedimento motor para segurar um copo dágua. Para outros, a raiva contida em lidar com o chefe autoritário. Em quaisquer casos, é nítido que forças internas (e também externas) estão em constante embate. Isso me faz lembrar o ensinamento do sábio da tribo, ao ser perguntado sobre o que significa o bem e o mal. Respondeu que dentro de cada pessoa existem dois lobos ou cachorros, em constante luta de morte, um representando (notar que se disse representando) o bem e outro o mal. Daí, um dos jovens da tribo perguntou qual deles vence. Respondeu o sábio: "Aquele que você alimentar mais".

Em outro momento, falaremos sobre nossas emoções, agressividade, entre outros aspectos, mas acho importante que tenhamos clareza em compreender que a luta interior é igualmente fundamental. Isto porque aquela arena por nós montada no decorrer das vidas tem justamente a função de colocar em evidência para nós mesmos tudo aquilo que deve ser transformado.

Que todos os Seres sejam felizes.

Tulio


terça-feira, 16 de agosto de 2011

E assim será...




Ao abrir os olhos de um profundo sono, perguntou-se novamente o que estaria fazendo ali. Qual a sua missão? O que deveria realizar para que pudesse contribuir de modo significativo para si e para todos os seres com os quais convive. Quem é? De onde veio? Para onde iria? Sabia que tais questionamentos nada tinham de inovadores mas também eram os mais elementares. Para tais perguntas forneceram-se respostas temporariamente satisfatórias. Também tinha a plena consciência de que a vida não se interrompe por devaneios filosóficos. Várias coisas ainda lhe inquietavam e sabia o que era.

Isto porque mesmo vivendo entre dois mundos, consegue perceber suas sutilezas e que não deve mais desperdiçar tempo com (suas próprias) ilusões. Nem o passado, nem o futuro. Nem o próximo, nem o distante. Nem a loucura, nem a sanidade. Sente que precisa se posicionar em sua própria realidade, mesmo tendo a consciência de que o que considera "real" pode ser, por sua vez, tão ilusório quanto o seu sonho.

Não há mais tempo a perder. Até agora, passou sua existência elaborando definições sobre o que lhe cerca, apenas para que pudesse lidar melhor com o que seus sentidos registram. Daí, exatamente como num procedimento experimental, ao aflorarem as habilidades latentes por milênios, pôde finalmente constatar que este plano de existência possui, de fato, reais possibilidades de transformar-se em algo grandioso. E assim será.

Que todos os Seres superem o sofrimento.

OM SHANTI OM

Tulio

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A quimera e nossa atividade interior




Até por experiência própria, nestes últimos tempos (sendo mais específico, neste último ano e meio) tenho tomado um cuidado redobrado em não mais perder tempo com meus devaneios acerca daquilo que é mais importante para a minha vida. Talvez eu possa extender este comportamento e dizer também que seria recorrente em nossas vidas o fato de que insistimos em deter nossa atenção em situações ou pessoas que simplesmente não contribuem de modo algum para a superação de nossas dificuldades. Mas essa constatação, talvez e por sua vez, seja produto de outro fato: a busca por (ou, para muitas pessoas, peleja contra) nossas quimeras.

Quimera é uma figura mítica caracterizada por uma aparência híbrida de dois ou mais animais e a capacidade de lançar fogo pelas narinas, sendo portanto, uma fera ou besta mitológica. Oriunda da Anatólia e cujo tipo surgiu na Grécia durante o século VII a.C., sempre exerceu atração sobre o imaginário popular. De acordo com a versão mais difundida da lenda, a quimera era um monstruoso produto da união entre Équidna - metade mulher, metade serpente - e o gigantesco Tífon.

Com o passar do tempo, chamou-se genericamente quimera a todo monstro fantástico empregado na decoração arquitetônica. Em Alquimia, é um ser artificial (assim como o homúnculo), criado a partir da fusão de um ser humano e animal. Figurativamente ou em linguagem popular mais ampla, o termo quimera alude a qualquer composição fantástica, absurda ou monstruosa, constituída de elementos disparatados ou incongruentes, significando também utopia. A palavra quimera, por derivação de sentido, significa também o produto da imaginação, um sonho ou fantasia (por exemplo: a quimera de ouro).

Pois bem. A sociedade ocidental, sempre às voltas com a competitividade levada às últimas conseqüências, parece desconhecer, faz questão de ignorar ou mesmo desencorajar, ao menos do ponto de vista das instituições, que cada um de nós identifique, enfrente e/ou supere nossos monstros interiores. Aliás, regra geral sequer nos damos conta da importância de tal tarefa ou, quando isso acontece, relegamos a um segundo plano por entender que é bem mais valioso acumular dinheiro para comprar um carro.

O problema é que um belo dia, ao acordar de manhã, alguém se dirige ao seu local de trabalho e, sem saber porque, tem um surto psicótico pelo simples fato de que faltou energia elétrica em sua sala, ficando esta no escuro. Daí, ficamos nos perguntando o porquê disso ter ocorrido sem que atinemos para o que é (quase) evidente: não basta nos tornarmos "senhores do mundo". Fundamental é sermos seres totais, plenos de nós mesmos(as). Tal situação, segundo entendo, começa a ser delineada a partir do momento em que desenvolvermos a definitiva coragem (isso mesmo, coragem!!) de perceber, compreender e, se o caso, superar nossos conteúdos internos identificados como "monstruosos".

Que Você tenha Saúde ilimitada.

Tulio

sábado, 13 de agosto de 2011

Dois ou mais amores: por que não?



Não é difícil perceber que o ocidente elaborou e reproduz de inúmeras maneiras o mito do (único) amor (eterno). E de fato se trata de um mito. A foto que inaugura este texto foi deliberadamente colocada para literalmente retratar este aspecto cultural, psicológico e, claro, emocional. No caso da gravura, quis indicar um ambiente no qual a união é celebrada e/ou mantida por um conjunto, o qual é repreentado pelo masculino e o feminino. E para falar um pouco sobre isso, vamos nos reportar ao mito de Eros e Psiquê. Como a descrição do mito é relativamente grande, irei colocar apenas as partes que interessam neste momento.

Psiquê é uma personagem da mitologia grega, personificação da alma. Seu mito é narrado no livro "O Asno de Ouro", de Apuleio, que a cita como uma bela mortal por quem Eros, o Deus do Amor, se apaixonou. Tão bela que despertou a fúria de Afrodite, Deusa da beleza e do amor, mãe de Eros. O fato é que os homens deixavam de frequentar os templos de Afrodite para adorar uma simples mortal, Psiquê.

A Deusa mandou seu filho atingir Psiquê com suas flechas, fazendo-a se apaixonar pelo ser mais monstruoso existente. Mas, ao contrário do esperado, Eros acaba se apaixonando pela moça - acredita-se que tenha sido espetado acidentalmente por uma de suas próprias setas. Com o próprio Deus do Amor apaixonado por ela, suas setas não foram lançadas para ninguém. O tempo passava, Psiquê não gostara de ninguém, e nenhum de seus admiradores tornara-se seu pretendente.

Em grego "psiquê" significa tanto "borboleta" como "alma". Uma alegoria à imortalidade da alma, como a borboleta que depois de uma vida rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e torna-se um belo aspecto da primavera. É considerada a alma humana purificada pelos sofrimentos e preparada para gozar a pura e verdadeira felicidade.

Existem vários outros aspectos talvez até mais importantes neste, que considero um dos mitos mais significativos do ocidente, mas quero chamar a atenção para um fato: desde que nascemos somos constantemente por ele assediados, e isto porque, ao que tudo indica, para boa parte das pessoas o sentido (único?) da vida é encontrar o (verdadeiro) amor, que seria representado ou estaria encarnado na pessoa com a qual nos uniríamos.

Acredito que boa parte das pessoas possa se identificar com o contexto acima. Mas já nos demos conta de que o mito nos diz muito mais do que isso? Na verdade, para que pudéssemos fazer a leitura deste mito, deveríamos utilizar várias ferramentas, especialmente pelo fato de que apenas para falar sobre a palavra amor (ou mesmo psiquê) já seríamos obrigados a estudar os seus vários sentidos. De qualquer forma, entendo que uma das leituras que considero mais interessantes para o mito é a de que além de podermos desenvolver o amor em sua amplitude ilimitada (o chamado Amor-ágape) também podemos e devemos perceber que o amor que deveríamos desenvolver INICIALMENTE é o amor-próprio. O que isso nos quer dizer?

Em primeiro lugar, e segundo entendo, é evidente que não é somente o encontro de uma outra pessoa que irá nos realizar como humanos mas, principalmente, o encontro interior, o encontro do si mesmo que poderá nos trazer uma efetiva superação de nossas maiores dificulddes, sejam internas ou externas, perante um mundo de dificuldades como o nosso. Dito de outra forma, ao tentarmos compreender a nós mesmos, nossa origem, nossa finalidade, ou seja, ao perceber em última instância o significado disso que chamamos "eu", temos uma excelente oportunidade de completude em nós mesmos.

Por outro lado, o amor por si definitivamente não pode ser confundido com seu, por assim dizer, desvirtuamento, a saber, o Amor-egóico ou, de modo mais simples, o egoísmo, levado às últimas consequências. Se estamos falando da descoberta ou percepção de um sentimento ou energia tão poderosos, capazes inclusive de contribuírem para a manutenção da própria raça humana, não poderíamos esperar que se tratasse de uma ocorrência ordinária. De fato, muitas pessoas registram que ao se descobrirem (e se amarem) sentem-se como que num estado de êxtase, de quase transe. E de fato é assim.

Porque, então, não entendermos que isso que chamamos de amor deveria, antes de tudo, passar pelo "verdadeiro" amor por si? Reconhecendo o amor por si, em princípio, teríamos no mínimo parâmetros legítimos para saber do que estamos falando, ao dizer "eu amo", não acham?

Sejam Amor...

Tulio

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um pouco de poder para você...



Assim como muitas pessoas, não escondo o fascínio que o poder exerce sobre nós. Quando menciono esse termo, não me refiro a um modo particular de poder, mas ao sentido mais genérico do termo, ou seja, toda e qualquer forma de poder. Isto porque todo ser humano, ao menos uma vez na vida, deparar-se-á com uma situação na qual enfrentará ou determinará o uso do poder.

"Poder (do latim potere) é, literalmente, o direito de deliberar, agir e mandar e também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a autoridade, a soberania, ou o império de dada circunstância ou a posse do domínio, da influência ou da força. A sociologia define poder, geralmente, como a habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, mesmo se estes resistirem de alguma maneira. Existem, dentro do contexto sociológico, diversos tipos de poder: o poder social, o poder econômico, o poder militar, o poder político, entre outros. Foram importantes para o desenvolvimento da atual concepção de poder os trabalhos de Michel Foucault, Max Weber, Pierre Bourdieu.

Dentre as principais teorias sociológicas relacionadas ao poder podemos destacar a teoria dos jogos, o feminismo, o machismo, o campo simbólico, o especismo, etc. A política define o poder como a capacidade de impor algo sem alternativa para a desobediência. O poder político, quando reconhecido como legítimo e sancionado como executor da ordem estabelecida, coincide com a autoridade, mas há poder político distinto desta e que até se lhe opõe, como acontece na revolução ou nas ditaduras." (in http://pt.wikipedia.org/wiki/Poder, acessado em 06/07/2011, às 08:53)

O texto acima faz referência aos vários significados que podem ser dados ao poder, mas talvez não enfatize um aspecto igualmente necessário, ou seja, o que chamaremos de contrapoder. Apesar de toda uma teoria desenvolvida por Hegel acerca do senhor e do escravo, e suas relaçãoes de reconhecimento, é inegável o fato de que se por um lado existe a possibilidade e/ou necessidade de utilização de alguma forma de poder, por outro há, utilizando um princípio da física, um movimento ou força contrária, uma possibilidade de reação àquele vetor.

O que faz com que haja obediência (subserviência?) e reação ao poder? Em termos humanos, poderíamos elencar ao menos uma razão para que alguém se contraponha ao uso do poder: o não reconhecimento de um poder que se denomina legítimo e que se manifesta como autoritarismo, abuso, paranóia, entre outros. Ao longo da história não é difícil perceber inúmeros exemplos nos quais tanto há uma chancela ou consentimento no exercício das formas do poder mas, em contrapartida, em incontáveis momentos houve violentíssimas reações à tentativa de alguém subjugar outrem. Afinal de contas, que encantamento ou energia poderosa é essa, que envolve a ponto de conseguir movimentar ou mesmo controlar coisas e pessoas ao longo dos séculos?

Michel Foucault, no seu excelente "Microfísica do poder" (Graal Editora, São Paulo, 2006), entre outros elementos, menciona o fato de que para seu estabelecimento, o poder necessita de, digamos, tentáculos, ou seja, para que alguém possa elaborar e manter uma forma de poder, deve estruturá-lo em vários pontos, como uma rede a qual é ligada e, assim, literalmente são costurados os vários segmentos que constituem o poder. Eu acrescentaria, e isto nada tem de novidade, que não existe o poder isolado, solto, poder em si mesmo. Quando se fala "poder", não está se falando apenas de potência ou possibilidade de fazer algo, em sentido hipotético, mas também poder concreto, poder real para fazer.

Já pensou em poder hoje?


Sejam sabiamente poderos@s!!!


Tulio

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Um dos grandes prazeres de qualquer vida...


Pois é, Pessoas Amadas. Hoje começo com um post altamente calórico....rsrsrs....Na terça, fiz um mexidão que ficou, modéstia à parte é claro, MA-RA-VI-LHO-SO. É hiper simples e acho que vocês vão gostar. Vamos lá. De tão simples já vou falando como se faz e dizendo quais ingredientes, ok??
Se você for carnívoro, acrescente o que quiser em seu mexidão: carne bovina, suína, aves ou peixes. Mas, é claro, já deve estar assada ou frita, e deve ser cortado em pedaços, que não precisam ser muito pequenos. No meu caso, acrescentei linguiça de frango. Aliás, fiz o mexidão na mesma panela que fritei a linguiça. Após fritar, na mesma borra (putz, é até feio de falar, mas não é nada feio de se ver, ok?) que é formada no fundo da panela em função da fritura da linguiça (ou carne, ou peixe), fritei quatro ovos, mas não coloquei sal.

Numa vasilha, pique em pedaços bem pequenos uma cebola grande. Em outra vasilha, pique também em pedaços pequenos: 1/2 pimentão (verde, vermelho e/ou amarelho), champignon, dois tomates pequenos. Pique igualmente em pedaços BEM pequenos um punhado de salsa e cebolinha. Remexa todos esses ingredientes e acrescente uma lata de milho verde, já sem a água. A todos esses ingredientes, acrescente a carne.

Daí, em cima dos ovos, coloque o arroz para refogar, juntamente com a cebola. É bom vocês experimentarem o sal, para ver se é necessário, nessa hora, acrescentar tempero para o arroz. No meu caso, acrescentei, nesse momento, apenas um pouco de tempero, desses mesmos de supermercado, que já vêm prontos. Após refogar o arroz, jogue por cima todos os ingredientes que estão na vasilha e refogue bem. Bom...daí, é só fazer o arroz normal, ou seja, ir jogando água e esperar que ela evapore. Levei aproximadamente 25 minutos para fazer.

Importante: a quantidade de mexidão vai da quantidade de ingredientes e de arroz que vocês colocarem, ok?

Voilá e bon apetit!!!

Sejam Saúde...

Tulio

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um pouco de raiva não (?) faz mal a ninguém...



Esse texto tem a proposta de, em breves linhas, apresentar alguns posicionamentos acerca de um sentimento, energia ou motivação amplamente observada na história da humanidade. Uma de suas finalidades é contribuir para que se possa compreender a fenomenologia e, principalmente, valendo-se de certas ferramentas conceptuais e empíricas, desenvolver alternativas para a compreensão e transformação de uma das mais poderosas elaborações humanas: a raiva (ou ira). Para isso, utilizaremos um arcabouço teórico-conceptual científico e de uma tradição espiritual específica, os quais serão explicitados ao longo do discurso. Comecemos pelo primeiro.

Utilizaremos, inicialmente, o trabalho de Carl Gustav Jung para nos auxiliar. Mas, para falarmos sobre a raiva em Jung, é necessário explicitar dois conceitos muito importantes: os arquétipos e o inconsciente coletivo. Em seu espetacular Os arquétipos e o inconsciente coletivo*, Jung nos expões estas duas, por assim dizer, categorias. Daquela primeira, diz que:

'Archetypus' é uma perífrase explicativa do eidos platônico. Para aquilo que nos ocupa, a denominação é precisa e de grande ajuda, pois nos diz que, no concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos - ou melhor - primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos (...)

O conceito de 'archetypus' só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente. Neste sentido, representam, portanto, um dado anímico imediato (...) O arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta. (grifos nossos)

Que leituras podem ser feitas destas palavras de Jung? O que ele chama de arquétipo é todo (ou quase todo) conteúdo (mental) que ainda se encontra, como ele mesmo diz, em um estado primordial, ou seja, que não passou por qualquer tipo de interpretação, conceptualização ou racionalização consciente. Isso significa que os arquétipos são um conjunto por assim dizer "bruto" de material de nossa psique, mas que aí se encontra “desde sempre”. Dito de outra forma, não há uma data ou dia definido no qual o arquétipo foi produzido, pois ele pertence ao próprio processo de formação daquilo que denominamos humanidade. Perde-se na noite dos tempos a construção do arquétipo.

Por outro lado, ao dizer que ainda não foi feita “qualquer elaboração consciente” representando “um dado anímico imediato”, o mestre de Viena nos leva ao encontro mesmo de um conjunto por assim dizer “virgem” de conteúdos da anima, entendida esta em seu sentido original grego. Sendo assim, os arquétipos são, literalmente, autênticos componentes de nosso mundo interior ainda não “visitado” por qualquer viajante com intenções de seu estudo. Ali estão, desde sempre, mas lembrando de que se trata de material inconsciente. Sobre este último conceito, falaremos em seguida, apenas para deixar bem pontuado que Jung não coloca os arquétipos como um dado elaborado por nossa mente. Eles simplesmente “são o que são”, sem quaisquer exegeses ou qualificações.

Passemos ao conceito de inconsciente coletivo. É definido como:

Uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos (...)

Minha tese é a seguinte: à diferença da natureza pessoal da psique consciente, existe um segundo sistema psíquico, de carácter coletivo, não-pessoal, ao lado do nosso inconsciente, que por sua vez é de natureza inteiramente pessoal e que – mesmo quando lhe acrescentamos como apêndice o inconsciente pessoal – consideramos a única psique passível de experiência. O inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas preexistentes, arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência. (grifos nossos)

Aqui os conceitos começam a se complexificar (este verbo não existe em nosso dicionário). Se por um lado o inconsciente pessoal é um fenômeno de ocorrência, como o próprio nome diz, individual, ou seja, desenvolvida no espaço do self, o inconsciente coletivo necessariamente pressupõe sua estruturação, como igualmente o nome o indica, a partir de experenciações (este substantivo não existe em nosso dicionário) coletivas. Em outros termos, o inconsciente coletivo tem existência (totalmente) independente do individual.

Ocorre que enquanto o inconsciente pessoal é composto por experiências pessoais que foram esquecidas ou reprimidas, o coletivo simplesmente é formulado por incontáveis vivências que, no fundo, não pertencem a ninguém. Quem pode dizer que existe um conceito ou significado único para as inumeráveis situações passadas pela raça humana desde seu estabelecimento no planeta? É impossível fazer uma unívoca e categórica afirmação de que só existe um “tipo” de herói, de mulher ou de divindade.

Só que Jung vai além ao dizer que o inconsciente coletivo é herdado e não conquistado (ou adquirido), ou seja, é literalmente passado de geração a geração e, assim, cada ser humano teria não necessariamente em estado latente e mesmo que não queira, um corpus de “formas preexistentes” que fazem parte de cada um de nós. Fazendo uma leitura superficial deste trecho, pode até parecer que Jung entende que o sistema consciente e o sistema inconsciente convivem paralela ou simultaneamente, sem haver relação direta de um com o outro. Mas não é bem assim. Mais adiante, Jung explicita esta relação da seguinte forma:

O inconsciente é a psique que alcança, a partir da luz diurna de uma consciência espiritual, e moralmente lúcida, o sistema nervoso designado há muito tempo por “simpático”. Este não controla como o sistema cérebroespinal a percepção e a atividade muscular e através delas o meio ambiente; mantém no entanto o equilíbrio da vida sem os órgãos dos sentidos, através das vias misteriosas de excitação, que não só anunciam a natureza mais profunda de outra vida, mas também irradia sobre ela um efeito interno. Neste sentido, trata-se de um sistema extremamente coletivo: a base operativa de toda participation mystique, ao passo que a função cérebro-espinal culmina na distinção diferenciada do eu, e só apreende o superficial e exterior sempre meio do espaço (...)

O inconsciente é considerado geralmente como uma espécie de intimidade pessoal encapsulada, mais ou menos o que a Bíblia chama de “coração”, considerando-o como a fonte de todos os maus pensamentos. Nas câmaras do coração moram os terríveis espíritos sanguinários, a ira súbita e a fraqueza dos sentidos. Este é o modo como o inconsciente é visto pelo lado consciente. A consciência, porém, parece ser uma essencialmente uma questão de cérebro, o qual vê tudo, separa e vê isoladamente, inclusive o inconsciente, encarado sempre como meu inconsciente. Pensa-se por isso de um modo geral que quem desce ao inconsciente chega a uma atmosfera sufocante de subjetividade egocêntrica, ficando neste beco sem saída à mercê do ataque de todos os animais ferozes abrigados na caverna do submundo anímico.

Verdadeiramente, aquele que olha o espelho da água vê em primeiro lugar sua própria imagem. Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira (...)

Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta. Se formos capazes de ver nossa própria sombra, e suportá-la, sabendo que existe, só teríamos resolvido uma pequena parte do problema. Teríamos, pelo menos, trazido à tona o inconsciente pessoal. A sombra, porém, é uma parte viva da personalidade e por isso quer comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou torná-la inofensiva através da racionalização (...)

A reação necessária e da qual o inconsciente coletivo precisa se expressa através de representações formadas arquetipicamente. O encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada, o encontro com a própria sombra. A sombra é , no entanto, um desfiladeiro, um portal estreito cuja dolorosa exigüidade não poupa quem quer que desça ao poço profundo. Mas para sabermos quem somos, TEMOS DE CONHECER A NÓS MESMOS, porque o que se segue à morte é de uma amplitude ilimitada, cheia de incertezas inautidas.” (grifos nossos)

De tudo o que foi transcrito, podemos observar alguns aspectos muito importantes. Primeiro, por se tratar do fórum onde se encontram ou são elaborados os conteúdos dos quais não temos percepção direta ou objetiva e, também, do qual principalmente não se tem controle, o inconsciente coletivo é um fenômeno o qual a raça humana sempre considerou, por assim dizer, temerário. Isso porque é ali que mora tudo aquilo que nós insistimos em querer conceituar mas que, por ironia das existências, é o que menos conseguimos vivenciar em sua plenitude, visto que “nas câmaras do coração moram os terríveis espíritos sanguinários, a ira súbita e a fraqueza dos sentidos”.

Que fique claro aqui que não estou igualando ou comparando o inconsciente coletivo às nossas emoções. Estas e o inconsciente coletivo têm algo em comum: sua fenomenologia não pressupõe, ao menos em princípio, a existência de dados, informações ou vivências racional ou objetivamente elaboradas. Ou seja, simplesmente ocorrem (ou existem). Mas, e esta pergunta é importante, tal ocorrência é tão “aleatória” assim? Em segundo lugar, e não há qualquer novidade em afirmar isso, Jung entende que é (somente?) por meio da descoberta de si mesmo que é possível fazer a verdadeira e única viagem que qualquer ser humano deveria propor ao longo de uma existência.

Isto porque, descobrir a si implica também encarar a sombra, esta parte nada propalada de nós mesmos, mas que tem fundamental importância no processo de construção de um ser total, que tanto conhece seu lado iluminado quanto seu lado escuro e, principalmente, os integra de maneira sábia a fim de que sua vida possa atingir plenitude. Nada disso poderá ser realizado se estivermos às voltas com quaisquer outras atividades que desviem a atenção daquele objetivo.

Por ora, o que foi dito acerca dos arquétipos e do inconsciente coletivo já é suficiente, visto que adiante avançaremos na compreensão de todos estes conceitos. Agora, para que passemos à relação daqueles com a raiva utilizaremos o cabedal de conhecimentos desenvolvidos por uma das tradições espirituais mundiais mais reverenciadas em todo o mundo: o Budismo e, em particular, o Budismo Tibetano e uma de suas representantes.

Thubten Chodron, no seu Trabalhe sua raiva: liberte-se dos sentimentos negativos e conquiste a felicidade duradoura**, aborda, do ponto de vista do Budismo, a raiva e vários assuntos correlatos. Conceitualmente, o que vem a ser tal sentimento? Para a Autora trata-se de

Um fator mental que, incapaz de suportar uma pessoa, objeto, situação ou idéia, abriga uma vontade prejudicial contra ela ou desejo de lhe causar dano. A raiva cobre uma gama de emoções que inclui aborrecimento, irritação, frustração, rancor, beligerância, ressentimento e ódio. Embora a palavra “raiva” possa algumas vezes ser usada em sentido positivo, aqui, como uma das fontes das emoções desordenadas, ela possui somente um significado negativo.

O precursor da raiva é um fator mental chamado de atenção imprópria, que, nesse caso, exagera as qualidades negativas de uma pessoa, objeto, situação ou idéia, ou projeta as qualidades negativas que não estão ali, criando, dessa forma, uma história incorreta sobre esse alguém. (grifos nossos)

De início, é importante perceber que a Autora não classifica, por assim dizer, a raiva como um sentimento ou emoção, mas como um “fator mental”. Tal approach conceptual é comum em algumas filosofias orientais, pelo fato de que ocorrências psicofísicas não são estudadas em separado, mas num conjunto que apenas por conveniência didática é exposto separadamente. De qualquer forma, a raiva não é em si mesma um sentimento, mas “cobre” (ou seja, manifesta-se como) uma série de emoções, tais como o ódio, este sim, uma emoção, digamos, extremamente intensa.

Por outro lado, sua origem (ou precursor, como chama a Autora) pode ser observada na indicada “atenção imprópria”, ou seja, uma maneira inadequada de percepção da realidade. Não se trata de mera percepção “errada”, mas Thubten Chodron toma em consideração o fato de que a raiva tem como precedente uma superestima de qualidades que não apenas e efetivamente não fazem parte da pessoa, coisa ou situação que é objeto das considerações de alguém, mas também que tal atividade as exagera, levando a pessoa a realmente acreditar nisso.

De tudo o que foi dito e afinal de contas, que relação existe entre os arquétipos, o inconsciente coletivo a raiva e, como proposto, quais seus desdobramentos? Podemos começar nossa resposta com outras perguntas: por que vamos aos templos e participamos de crenças religiosas? Por que elaboramos os símbolos e estes são tão representativos para os humanos? O que há nos sonhos que nos remetem a um mundo em que a rigor não podemos ter e muito menos devemos ter controle? Há um mundo além deste mundo, ou seja, o que ocorre ou contém o além-vida que tanto fascínio e evidente terror desperta na humanidade?

Os arquétipos e o (in)consciente coletivo vêm nos ajudar a fazer devidas ponderações e, quem sabe, elaborar respostas nada definitivas. Na medida em que aquele ilimitado conteúdo pode diuturnamente ser (e efetivamente é) utilizado leva à intuição de que, na verdade, inconsciente pessoal (ou individual), inconsciente coletivo e consciência não são, de fato, autônomos, mas simplesmente fazem parte de um todo único que chamamos ser. E tal conjunto, por sua própria complexidade, já é capaz de produzir situações ou produtos como a raiva.

Como produzimos a raiva? Um desejo insatisfeito? Uma crítica ilegítima? O assassinato cruel de um ente querido? Muito mais do que perceber a causa próxima, ao compreendermos que as raízes remotas da raiva podem estar justamente localizadas nesse universo (não tão) desconhecido, o qual denominamos inconsciente, temos a real possibilidade de uma transformação interior. Mas, pergunta-se novamente: que relação há entre a formação da raiva e os conceitos expostos? Como, por exemplo, relacionar uma atitude descontrolada e motivada pela raiva com, por exemplo, a simples menção ao símbolo da suástica nazista?

A começar pelo simples fato de que ao mencionar este último, muitas pessoas já pensariam em sofrimento, medo, morte, opressão e, também...raiva. Poderiam argumentar alguns que a evidência de todo o horror que o nazismo impôs ao mundo, durante a 2ª Guerra Mundial não legitima a mencionada relação até mesmo pelo fato de que não apenas se trata de fato passado que induz a um raciocínio ou lógica falaciosa. Mas, se é assim, porque então simplesmente não dissociar o nazismo de todos os sentimentos mencionados? Além de todos estes aspectos, de natureza tipicamente conceitual, a proposta deste texto também é apresentar alternativas para a transformação interior. Daí, não é difícil chegar à um último questionamento: a raiva tem alguma utilidade?

Nos responde Thubten Chodron:

Embora a raiva não seja um fonte confiável, necessária ou benéfica de informação para detectar o que está errado, ela nos faz saber que nossa mente está perturbada e que certos botões foram acionados em nós. Em vez de agir segundo nosso padrão habitual de responsabilizar os outros por nossa raiva, podemos notar que, para os nossos botões serem acionados, são necessários dois fatores: as ações dos outros e o fato de termos esses botões. Se os removermos, não haverá nada para ser acionado! Naturalmente, isso requer muito trabalho interno de nossa parte.


Vamos remover nossos botões?


*3a. edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2003.

**Rio de Janeiro: Nova Era, 2007.