quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Noções iniciais sobre o Dharma



Este texto tem por objetivo expor sucintamente as principais informações que dizem respeito a um termo que em si mesmo apresenta dificuldades quanto à verdadeira ou profunda compreensão do seu significado. De modo bastante simples, por dharma (em páli dhamma) se pode entender o ensinamento ou o conjunto dos ensinamentos do Buda e o caminho que conduz ao Pleno Despertar. Mas mesmo que se queira tornar o entendimento sobre tal verbete o mais simplificado possível, ainda assim são necessárias palavras adicionais.

É que a raiz sânscrita da palavra, ou seja, dhr, cujo sinônimo é “sustentar”, “apoiar” ou “manter”, significaria que o Dharma é aquilo que sustenta, mantém ou até possibilita a ocorrência da totalidade dos fenômenos. E isso porque quem perceber ou realizar a verdade última deparar-se-ia com a produção de tudo o que há no Universo, seja de natureza material ou mental. Neste particular, é interessante fazer uma brevíssima referência ao Dharmakaya, um dos elementos da (talvez[?] inadequadamente chamada) teoria dos três corpos do Buda.

O Dharma, quando associado à palavra kaya (corpo em sânscrito), revela o chamado Corpo do Dharma ou Corpo da Verdade (Absoluta), revelando a essência da natureza de todos os fenômenos, os quais têm, no conceito do sunyata (ou vacuidade), a inteireza da sua expressão mais profunda. Desta forma, aquele que realiza o estado de Buda apresenta também, como característica, a capacidade de transmitir ensinamentos relativos a tal ou tais conceitos, de modo que o discípulo possa perceber e, se o caso, realizar o Nirvana.

A dificuldade de se estabelecer um conceito do Dharma, majoritariamente aceita, talvez até perdesse um pouco de sentido, visto que a complexidade de seu significado está diretamente relacionada com o grau de entendimento de cada adepto e tal afirmação pode também ter como base os diferentes ensinamentos dados pelo Buda Shakyamuni ao longo dos mais de 40 anos em que permaneceu proferindo seus discursos. Isso porque se diz, dentro do Budismo, que houve três “giros” da roda do Dharma, os quais também corresponderiam ao que posteriormente se denominou como veículos Hinayana, Mahayana e Vajrayana.

Exemplo da diversidade de entendimentos acerca do que é o Dharma é apresentado por CORNU (2004, p. 147), ao dizer:

A palavra dharma possui dois sentidos principais: 1º. o ensinamento do Buda; 2º. os fenômenos, “o que mantém a sua própria identidade”. Mas tradicionalmente se lhe atribuem dez sentidos principais:

1.     Todos os cognoscíveis (SC. jñeya, TIB. shes-bya), ou seja, o conjunto de fenômenos compostos ou condicionados (SC. samskrta, TIB. ‘dus-byas) e de fenômenos não-compostos ou não-condicionados (SC. asamskrta, TIB. ‘dus-ma-byas).
2.     A via ou o Dharma da verdade do caminho.
3.     O nirvana ou “além do sofrimento” (TIB. mya-ngan ‘das-pa) ou Dharma da verdade da cessação.
4.     Os objetos do espírito (SC. manovisaya, TIB. yid-kyi yul), ou seja, os objetos ou fenômenos mentais (SC. dharmāyatana, TIB. chos-kyi skye-mched).
5.     Os méritos (SC. punya, TIB. bsod- nams), ou seja, todo comportamento virtuoso, todo pensamento e ação sadios.
6.     O tempo de vida (SC. āyu, TIB. tshe).
7.     As escrituras do Dharma (SC. dharmapravacana, TIB. gsung-rabs), o Tripitaka, etc.
8.     Os objetos materiais (SC. abhutika, TIB. ‘byung-‘gyur) que surgem dos elementos e se diz sujeitos a transformação.
9.     As regras (TIB. nges-pa), a tomada de votos espirituais.
10.  As tradições religiosas (SC. dharmanīti, TIB. chos-lugs), que englobam as diversas tradições e costumes religiosos do mundo.[1]  
        
HUMPHREYS (1997, p. 71) apresenta um entendimento nada enciclopédico, mas bem personalizado, ao dizer que:

Quase todos os homens têm um “Deus” que confere significado e propósito às suas existências. Tal conceito pode ser produto da criação pela família, pode ser formulado a partir de estudos feitos ou pode ainda ser o remanescente de alguma vida prévia. Apenas os Mestres, Rishis, Roshis, ou que nome tenham, não possuindo a noção de “outro” carecem da necessidade do conceito de Deus em qualquer de suas formas (...) O nome do meu Deus é Dharma. Que significa tal palavra? Seu significado básico é amparar. Outros termos usuais são Lei, Norma, Dever, Ensinamento. No budismo oriental a denominação é Buda-Dharma, ou dhamma na forma Pali. A mim o meu Deus dá uma plataforma que me ampara; dá significado à minha vida, bem como o objetivo e a agenda dessa vida; além disso, os meios de fazer frente à dita agenda e a força para levá-la a cabo.[2]  

O Lama Rendawa, ao comentar o texto de NAGARJUNA (1994, p. 41), expõe de maneira tipicamente doutrinária o entendimento acerca do Dharma, nos seguintes termos:

As virtudes do Darma são as seguintes: “O Darma do Bhagavan é bem-afirmado, capaz de ver com correção, isento de males, eterno, possuidor da transmissão correta, digno de contemplação e próprio para ser compreendido pelos sábios por meio da experiência pessoal”. Em resumo, estas qualidades indicam o Darma dúplice da doutrina e da realização (...) A seguinte citação tirada da escritura Uttaratantra (capítulo 1, estrofe 9) serve como definição do Darma:

Louvor àquilo que não pode ser examinado sob o ponto de vista do seu não-existir, do seu existir, de ambos, nem de outra coisa qualquer que não seja o existir ou o não-existir; que não tem explicação verbal, que deve ser compreendido por cada pessoa; e constitui a paz: o Darma Sagrado, o sol que irradia o fulgor da sabedoria imaculada que sobrepuja o apego, o ódio e a ignorância com relação a todos os objetos.[3]

 
Somente com os elementos acima, é possível uma grande discussão sobre o significado do Dharma. De maneira mais específica, DAVID-NEEL (2005, p. 46) ao falar sobre as Quatro Nobres Verdades, ou seja, o primeiro conjunto de ensinamentos proferidos pelo Buda Shakyamuni, pouco após sua iluminação, diz que:

Absolutamente não nos encontramos diante de um sistema que tem a pretensão de nos esclarecer sobre a origem do mundo e sobre a natureza da Causa Primordial. Não se trata de revelação feita ao homem por uma divindade, nenhuma alusão a um poder extra-humano, nenhuma promessa de ajuda sobrenatural aparecem no discurso do Buda. Trata-se de uma luta do homem contra o sofrimento que o sufoca, de uma luta que ele deve enfrentar só, e da qual ele pode sair vencedor por meios puramente humanos (...)

Na realidade, as Quatro Verdades não exprimem nenhuma verdade, se compreendemos estas palavras em seu significado comum, de fato demonstrado ou revelado. Afora a afirmação da possibilidade, existente para nós, de seremos os próprios agentes de nossa libertação, as Quatro Verdades são apenas a exposição de um método de salvação. O próprio budismo, aliás, não pretendeu jamais ser outra coisa.[4]


Que conjunto de ensinamentos ou caminho foi esse? Seguindo uma didática compatível com o nível de entendimento de cada indivíduo, o Buda Shakyamuni desenvolveu uma pedagogia muito adequada, isso porque, em linhas gerais, se pode dizer que o Budismo estabelece um sistema que auxilia a todos perceberem especialmente a natureza da mente, da sua própria condição e também da realidade, alcançando a auto-realização e eliminação do sofrimento em todas as suas formas, além da superação da cadeia de renascimentos o que é expresso numa palavra por Nirvana (em sânscrito, ou Nibbana, em páli), objetivo de todo praticante.

Quais seriam as bases desse sistema? Do ponto de vista empírico, é inegável que o Budismo apresenta uma forma de constatação cujo método é a incansável observação dos processos e essência mentais, o que é feito por intermédio de uma série de procedimentos ou técnicas. Concomitantemente, se realiza a constante prática do vasto conjunto de ensinamentos. Assim, é importante enfatizar que se trata essencialmente de uma filosofia, modo de vida ou modus operandi nitidamente pragmática, não meramente contemplativa.

Além disso, em algumas tradições do Budismo, em particular nas Escolas do Budismo Tibetano, é importantíssima a figura de um instrutor, preceptor ou “amigo” espiritual, denominado lama (ou bla-ma, em tibetano), cuja denominação no Ocidente foi popularizada como monge. Ou seja, é alguém que já passou por um longo aprendizado e treinamento e que ao se qualificar, recebe a autorização para que possa repassar tudo aquilo que sua linhagem espiritual desenvolveu.

Do ponto de vista teórico (ou ao menos naquilo que os ocidentais denominam como tal), existem tipos diferentes de textos que auxiliam os budistas a trilhar o caminho. Em primeiro lugar, os chamados cânones dos discursos proferidos pelo Buda e que foram, depois de sua morte, transcritos em diversos idiomas, seja o próprio sânscrito, o tibetano, o chinês ou japonês. É preciso dizer, também, que nunca houve (assim como não há) a pretensão ou mesmo intenção de se querer unificar o Budismo sob a égide de um único texto sagrado o que, aliás, lhe confere uma característica bastante peculiar. Os cânones compreendem não apenas um conjunto de doutrina em seu sentido restrito mas também textos com finalidade tipicamente normativa, a fim de estabelecer a conduta da comunidade dos monges, além de grandes trabalhos de exegese e cujo valor sagrado não se discute.


[1] CORNU, Philippe. Diccionario Akal del Budismo. Madrid: Ediciones Akal, 2004, Diccionarios Akal 40.
[2] HUMPRHEYS, Christmas. O budismo e o caminho da vida. São Paulo: Cultrix, 1997.
[3] NAGARJUNA. Carta a um amigo. São Paulo: Palas Athena, 1994.
[4] DAVID-NEEL, Alexandra. O Budismo do Buda. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 2005.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mandado de segurança e competência para julgamento




Importante questão, para todas os(as) profissionais do Direito que militam nos Tribunais do país, diz respeito à competência para o julgamento do Mandado de Segurança[1] ou, em outras palavras, a definição da autoridade coatora da qual emana o ato que se quer anular. A pertinência temática do texto fica ainda mais evidente se for observado que é relativamente comum vários writs (outra denominação do Mandado de Segurança) serem indeferidos liminarmente sob o argumento, nas decisões, de que foram distribuídos no foro incorreto ou, dito de outra forma, que se trata de incompetência absoluta em razão de hierarquia ou, se o caso, matéria.

A discussão se inicia pela leitura e conjugação do art. 5º, inciso LXIX da Constituição Federal, com o art. 1º da Lei 12.016/09[2], visto que tais dispositivos não são explícitos ou exaustivos ao conceituar o que vem a ser autoridade, limitando-se apenas dizer, no primeiro caso, que se trata de “autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” e, no segundo, de “autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”. Alguém poderia argumentar que o termo autoridade, ao menos nessa situação, não exigiria demarcação ontológica, mas a praxis forense diz exatamente o contrário e tem sido o Poder Judiciário, em inúmeras situações, que empreendeu o árduo trabalho de (às vezes quase indecifrável) exegese da norma.

E é justamente nos casos concretos que se verifica a grande dificuldade em se fixar o sentido do termo indicado, confirmando que não se trata de um trabalho meramente teórico a ser feito. Exemplifico, desta forma, com um caso concreto. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em determinado Mandado de Segurança (MS)[3], ao analisar o pedido feito pelo autor, ementou em acórdão[4] que “o mero executor do ato administrativo, determinado pelo Tribunal de Contas da União, é parte ilegítima para figurar no polo passivo do Mandado de Segurança”, mas deve ser mencionado que tal ação foi proposta justamente com a finalidade de se anular ato prescrito pelo próprio Presidente daquela Corte.

Ao autor da ação não havia qualquer dificuldade em perceber que se a autoridade mencionada (o Presidente do TJDFT) ordenou a produção de certo ato administrativo, seria ela a autoridade coatora, mesmo considerando a anterior (e já revogada) lei de regência do MS[5]. A indigitada ação foi extinta sem resolução do mérito e incontinenti foi manejado recurso ordinário[6] a fim de que o Superior Tribunal de Justiça se pronunciasse, não sobre o mérito do direito discutido, mas acerca da competência para o julgamento da causa, visto que o Tribunal a quo, entre outros argumentos, explicitou que naquele caso específico a autoridade indicada como coatora era mera longa manus de uma decisão do Tribunal de Contas da União.

Em elaborado raciocínio, a Corte Superior explicitou, em sede recursal[7] que “segundo a Lei n. 12.016/2009, a autoridade passível de legitimidade passiva do pedido de segurança não é somente aquela delegatária imediata que dá execução ao ato, mas também a que detém poderes e meios para executar o futuro mandamento, porventura, ordenado pelo Poder Judiciário (autoridade delegante)”, determinando, então, que o processo retornasse ao TJDFT para que este, agora sim, julgue o pedido inicial. O relator do recurso, inclusive, deixou muito claro o posicionamento do STJ ao dizer igualmente que “a autoridade que deve figurar como coatora na impetração é aquela que, concretamente, praticou a ação ou omissão lesiva ao direito do impetrante”, bem como aquela que “detém poderes para corrigir a ilegalidade”.


[1] Regido pela Lei n° 12.016, a qual entrou em vigor em 07/08/2009 e pôs fim a algumas controvérsias que serão consideradas ao longo do texto.
[2] Cujos conteúdos, respectivamente, são: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” e “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” (grifei)
[3] MS 2008.00.2.002789-5, de relatoria do Desembargador Getulio Pinheiro.
[4] Acórdão registrado sob o n° 346571, com data de julgamento em 25/11/2008.
[5] Lei n° 1.533/51.
[6] Com fundamento no art. 102, inciso II, alínea a da Constituição Federal e art. 539, Inciso I, do Código de Processo Civil.
[7] RMS 29713/DF, de relatoria do Ministro Jorge Mussi.

Jurisdição e seu significado na contemporaneidade



Este texto tem por objetivo, de modo simples e didático, expor o significado do termo jurisdição, bem como sua implicação prática na contemporaneidade. Entendida tradicionalmente como o poder-dever de aplicar o direito aos casos levados ao Poder Judiciário (nos processos judiciais), jurisdição nada mais é, por um lado, do que a obrigação que o Estado tem de solucionar os conflitos interpessoais que não o foram de maneira espontânea. Dito de outra forma e exemplificando: caso não se chegue a um acordo relativo aos prejuízos causados por um jarro que acidentalmente um morador de um apartamento derrubou em cima de um veículo estacionado no térreo de um prédio de apartamentos, poderá o proprietário do carro distribuir (manejar ou “dar entrada”) em eventual ação de reparação de danos.

Esse é o sentido do “dever” jurisdicional. Quanto ao “poder” ele o é de fato e de direito, ou seja, aos ocupantes do cargo na carreira da magistratura nacional é conferida a autoridade estatal de decidir o pleito das partes envolvidas em determinada situação, a qual não foi amigavelmente resolvida. Tal posição de mando é prevista já a partir do texto constitucional[1] e em vários dispositivos na legislação infraconstitucional[2]. Ou seja, é o(a) juiz(a) que tem, nos limites previstos no ordenamento normativo brasileiro, não apenas a prerrogativa mas a obrigação de resolver a demanda proposta. Tal tarefa pode até parecer “simples” para algumas pessoas, mas definitivamente não é bem assim. Isto porque o chamado poder jurisdicional, muito mais do que simples e mecanicamente “ler” a lei e aplicá-la a uma situação fática, precisa, igualmente, atender a várias outras expectativas. Grosso modo, a sociedade contemporânea, em seu afã pela satisfação das necessidades individuais e coletivas, exige uma resposta direta, concreta e eficiente nos processos judiciais.

O que se quis dizer na última oração é que ao(a) julgador(a) não basta apenas cumprir um “mero” papel de tecnocrata do Direito, ou seja, não é suficiente que apenas “diga” ou conceda o direito pleiteado pela parte, mas deve fazê-lo também: i) apresentando argumentos que sejam ao mesmo tempo convincentes e sensatos e; ii) determinando atos processuais eficazes, ou seja, que tragam resultados efetivamente úteis à pessoa interessada. Novamente: esta tarefa não é, de modo algum, fácil. Se por um lado o Poder Judiciário conta com uma estrutura composta por servidores, aparato tecnológico, instalações modernas, entre outros, por outro enfrenta dois grandes inibidores de sua atividade: o enorme número de demandas propostas, além da ainda legislação processual que (infelizmente?) permite recursos de caráter nitidamente protelatório.

A tentativa de superar a situação descrita pode ser observada, por exemplo, em estratégias elaboradas e implementadas pelos Órgãos Jurisdicionais, como as “Metas Nacionais do Poder Judiciário”, desenvolvidas em encontros e colocadas na prática pelos respectivos Tribunais pelo país afora[3]. Tudo isto foi dito para que se possa, ao final, valer-se do processo judicial para fazer uma justiça consistente, sólida, utilizando propostas significativas como a que faz PERELMAN (1999, p.163): “Na concepção atual do direito, menos formalista, porque preocupada com a maneira pela qual o direito é aceito pelo meio regido por ele e que, por isso mesmo, se interessa pelo modo como uma legislação funciona na sociedade, é impossível identificar pura e simplesmente o direito positivo com o conjunto de leis e regulamentos, votados e promulgados em conformidade com critérios que lhes garantem a validade formal. Pois pode haver divergências consideráveis entre a letra dos textos, sua interpretação e sua aplicação”.[4]



[1] Art. 93, Inciso I: “ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”
[2] Apenas como exemplo, o atual art. 1º do CPC: “a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”. Interessante observar que no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil a jurisdição ganha contornos diferenciados, pela leitura do art. 1º (“o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado con-forme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”) e 4º (“as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”).
[3] Exemplo disso pode ser observado na exposição feita pelo Conselho Nacional da Justiça, no seguinte link: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/eventos/encontros-nacionais/4-encontro-nacional-do-poder-judiciario/metas-2011.
[4] PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 163 e segs.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Noções iniciais sobre o Budismo




Em alguns dicionários e enciclopédias ocidentais, o Budismo é conceituado formalmente como o faz a Enciclopédia Mirador Internacional (1986, p. 1826):

fundado na Índia por volta do século VI a.C., e inspirado nos ensinamentos de Siddarta Gautama, cognominado o Buda, o budismo é a denominação dada pelos ocidentais ao sistema religioso que visa à realização plena da natureza humana e à criação de uma sociedade perfeita e pacífica. Aberto a todos os grupos sociais, etnias, culturas e nacionalidades, desenvolveu-se por todo o Extremo Oriente. [sem grifos no original]

Quanto ao termo “Buda”, recorrendo novamente à fonte acima (p. 1823), a mesma informa que:

Buda (do sânscrito1 Buddha “desperto”, “iluminado”, adjetivo derivado de Bodhi, “despertar”) é um dos títulos ou o título principal do fundador do Budismo, Siddarta Gautama (em sânscrito) ou Siddhatta Getama (em pali2), conhecido também por outros nomes, como Çakyamuni (ou Shakyamuni, “o santo dos Çakya”, sua tribo), Bhagavat (“senhor”), Tathagata (“aquele que veio da verdade”) e Jina (“o vitorioso”). Há controvérsias quanto à data do seu nascimento, que a maioria dos autores fixa em meados do séc. VI a.C (563 a.C). O Buda nasceu em Kapilavastu, no sítio da atual Rummindei, no Nepal, e morreu em 483 a.C em Kasinagara, atual Kasi, Índia.

Em relação aos trechos transcritos, são necessárias algumas ponderações. A afirmação de que uma das finalidades do Budismo seja a de criar “uma sociedade perfeita e pacífica” talvez extrapole o que se possa considerar como essencial àquela tradição. Até porque, uma das bases da doutrina do Buda Shakyamuni aponta justamente no sentido de que toda forma de existência, em última instância, é uma ilusão e, em consequência, também o seria tal sociedade.

Já o termo Buddha, em sânscrito, até hoje ainda gera algumas discussões, mas a maioria dos autores entende que significa literalmente desperto (ou, então, plenamente ou perfeitamente desperto), pois é justamente esta a condição que se atinge, por meio de um conjunto de procedimentos que o Budismo, em suas várias escolas ou linhagens, propõe ser possível. Isso porque, segundo os budistas, toda forma de existência é permeada pelo sofrimento e encontra-se regida por uma série de forças, uma das quais é representada, pela deusa Maya ou ilusão. Ao se atingir o Pleno Despertar, não há mais como gerar ou ser atingido pelo sofrimento ou mesmo participar do ciclo de renascimentos.

Em primeiro lugar, é necessário dizer que o Budismo, preliminarmente, pode ser entendido como uma filosofia e não apenas ou necessariamente como uma religião. De fato, o Budismo nunca negou a existência ou incentivou a iconoclastia dos chamados “Seres Superiores” (Devas) ou, numa linguagem mais próxima dos ocidentais, Divindades. Seres que atingiram um estado mental e uma condição tão diferenciada a ponto de, por exemplo, praticamente não gerarem mais karma, e, desta forma, terem o mérito (e não privilégio, pois o Budismo amplamente propõe que também nossa atitude é determinante para que nossa condição positiva ou negativa seja elaborada) de habitarem os chamados Reinos Dévicos, Reino dos Devas ou, numa linguagem mais próxima, Reino dos Deuses.

Assim, nas cerimônias ou rituais das diversas expressões do Budismo pelo mundo, são encontradas várias Divindades cultuadas. Exemplo disso é o Bodissatva (para alguns um Buda) Tchenrezig ou Chenrezi. A esta Divindade do Budismo Tibetano (que, no Hinduísmo é denominada Avalokiteshvara) dedicam-se, todos os dias, cerimônias ou pujas, nas quais é recitado um dos mantras mais conhecidos no Ocidente, ou seja, OM MANI PEME HUNG. Tchenrezig é a Divindade, Bodissatva ou Buda da Compaixão Ilimitada, Absoluta ou Universal.

Mas é também preciso esclarecer que o Budismo nunca se propôs a ser rotulado ou autodenominou-se como religião e, assim, literalmente não há um religare, ou (re) conectar a condição humana a “um” Deus. Isso é interessante porque o que o próprio Buda Shakyamuni sempre enfatizou, na primeira, digamos, fase de seus ensinamentos, foi uma conduta pessoal (ou ética, que no Budismo denomina-se sila) altamente escorreita, mas a finalidade disso não é fazer com que o praticante do Budismo “atinja” o “paraíso”, ou se religue ao/a um Deus, mas sim que ele cada vez mais tenha consciência plena de seus atos, pensamentos e palavras a fim de que possa gerar karma positivo ou anule o seu karma negativo.

Dito de outra forma, o que se quer é uma mudança de comportamento qualitativa e quantitativamente suficiente a fim de que se possa realizar o que o Budismo denomina de Nirvana, ou seja, um estado mental diferenciado. Desta forma, muitos veem no Budismo uma autêntica tradição ou filosofia de forte teor ético e, assim, não há uma preocupação em ser ou não uma religião, até porque, no fundo, isso não seria o mais relevante para aqueles que se dedicam à prática do Dharma. Por outro lado, o Budismo apresenta um aspecto incontestavelmente presente em suas manifestações, e bastante comum em nichos religiosos: a sacralização de espaços, imagens, textos, entre outros.

Além das informações acima, deve-se considerar que:

a)     a palavra “Buda” refere-se a um ser humano que atingiu um estado mental diferenciado, uma maneira de percepção diferenciada da realidade e, desta forma, não faz sentido chamar “Buda” de “Deus”, até porque, não há no budismo um conceito formal de um deus personificado, criador de toda existência, como o entende a cultura religiosa ocidental;

b)    “Buda”, então, refere-se a alguém que atingiu ou realizou um determinado estado mental, mas tal conotação poderia induzir a entendimentos inadequados; de qualquer forma, ao se falar “Buda”, pode-se estar falando também:

b.1) da condição búdica, ou seja, o atingimento do estado mental referido;

b.2) de um determinado Buda, ou seja, o Buda Shakyamuni, o Buda Dorje-Chang, o Buda Maitreya, o Buda Amida, entre outros.;

c)     os textos sagrados do Budismo mencionam que já existiram centenas ou milhares de Budas. Tal quantitativo se deve ao fato de que, para o Budismo, todo ser humano tem totais condições[1] para atingir o estado búdico, e isto dependerá de um conjunto de fatores, que nada tem de esotéricos ou místicos;

d)    diferentemente de outras crenças, um Buda não é nenhum ser especial, ungido ou “escolhido” para liderar toda uma comunidade. Trata-se de um ser humano até certo ponto ou aparentemente comum;

e)     freqüentemente vê-se uma confusão ao identificar a pessoa do Dalai-Lama com “O Buda” ou “Buda”, ou até à uma figura divina, o que, neste último caso, até corresponderia à realidade, visto que o Budismo Tibetano considera que o Dalai-Lama é a encarnação da divindade Avalokiteshvara (em sânscrito, ou Tchenrezig, em Tibetano). Já a pessoa que recebeu o título de Dalai (que significa “imenso como o oceano”) – Lama (que tem um significado restrito de mestre ou conselheiro espiritual, mas também “encarnação da sabedoria” ou “sabedoria” – desta forma, Dalai-lama significaria “oceano de sabedoria”) trata-se de Tenzin Gyatso, o líder político e religioso do Tibet, região encravada entre a Índia e a China, e que foi invadida por esta última no final dos anos 50 do século XX;

f)     desta forma, “Dalai-lama” corresponde também a um título, que é conferido somente a determinadas pessoas da tradição político-religiosa tibetana. Os Dalai-lamas compõem uma dinastia, semelhante em alguns aspectos às dinastias políticas do ocidente. Ocorre que no caso do Dalai-lama, assim como em alguns países, ele detém a liderança tanto política quanto espiritual do povo tibetano.

Em que pese o Budismo ser fundamentalmente uma filosofia de vida ou um modo de percepção, ao longo de sua trajetória histórica foi sendo cada vez mais considerado por terceiros não praticantes ou por aqueles que o ignoram como uma religião. É inegável que o mundo ocidental, ao ver monges, templos, rituais, entre outros, não consiga ver senão um grande sistema religioso. De fato, ele também pode ser encarado desta forma. Na verdade, o Budismo apresenta várias facetas, as quais serão percebidas por cada um na medida de sua própria condição. A fim de pontuar estes esclarecimentos iniciais, pode-se dizer, por um lado, que o Budismo é uma filosofia, se entendido este termo em sua morfologia como a amizade, amor ou filiação ao conhecimento, mas também considerando o que foi dito acima. Assim, o que um budista procura, ao iniciar seus estudos, sua prática e sua vida no caminho que o Buda propôs, há 2500 anos, é tornar-se um (plenamente) desperto para a(s) Verdade(s) Suprema(s).

Mas é preciso também atentar para uma importante diferenciação. É que, grosso modo, ao se pronunciar o termo verdade, pode também se estar associando ao conhecimento e, desta forma, o que se entende por tal verbete, no Ocidente, tradicionalmente diz respeito a uma relação entre um sujeito e um (ou vários) objeto(s) de conhecimento. E para se “demonstrar” tal relação ou se faz de maneira descritiva ou analítica (por exemplo, mostrando as partes componentes de algo) ou de maneira abstrata, mas em todos os casos, sempre pressupondo uma racionalidade ou lógica, que se pode chamar de formal. A isso, então, chama-se conhecimento.

A ênfase, no Budismo, é dada para a sabedoria, o que é bem diferente, pois se trata muito mais do que conhecimento. Sabedoria necessariamente diz respeito à presença de várias qualidades ou aspectos, como, por exemplo, uma atitude de infinita compaixão para com todos os seres existentes, uma equanimidade que ultrapassa em muito a mera noção de aplicar o “justo” para cada caso, entre outros. Assim, o Budismo apresenta uma faceta filosófica inegável.

Assim sendo e concomitantemente, o Budismo possui um caráter tipicamente religioso, ao menos naquilo que os ocidentais concebem como “religião”, visto que em suas várias vertentes, possuem uma grande quantidade de ritos, textos sagrados, cultos a divindades, entre outros aspectos nitidamente religiosos. Mas esse imenso acervo litúrgico e iconográfico possui conotações um pouco diferenciadas do que se entende por religião no mundo ocidental.

Outra face do Budismo revela que se trata de um modo de autopercepção e, desta forma, fica quase evidente seu aspecto psicológico. Isto porque, ao se engajar no estilo de vida que o Sidarta Gautama desenvolveu, inevitavelmente a pessoa inicia um intenso processo de autoconhecimento, deparando-se com suas próprias dificuldades, traumas e toda a infinidade de conteúdos mentais, mas, principalmente, tem diante de si uma valiosa ferramenta para superar e transformar todos os seus obscurecimentos para condução ao Nirvana.

Mas talvez o aspecto do Budismo que melhor reflita sua natureza é que se trata de um modo de vida ou um caminho espiritual. O Budismo é essencialmente uma prática. Não se trata, portanto, de uma atividade meramente especulativa, abstracionista ou idealista. Possui também a finalidade de solucionar problemas do cotidiano e/ou materiais, visto que se numa lógica de causa e efeito todos os fenômenos individuais e coletivos são produzidos, uma filosofia que se propõe apenas a divagar metafisicamente sobre a origem do sofrimento sem apontar o método para sua eliminação, talvez perdesse muito em conteúdo pragmático.

Assim sendo o Budismo também significa praticar o ensinamento, ou seja, o exercício da compaixão, da paciência, entre outros elementos, denominados “meios hábeis” (ou upaya, em sânscrito), para que se possa atingir o despertar. Simultaneamente, fica explícito que tais comportamentos são verificados junto a uma profunda e inexorável mudança interior, a qual igualmente revela a própria essência do Budismo.

Poderiam ser enumerados vários conceitos doutrinários ou tradicionais acerca do Budismo. Em se tratando das dimensões deste trabalho, apenas alguns são suficientes. SILVA (2002, p. 17) expõe um entendimento que ao mesmo tempo faz uma abordagem científica, moral e religiosa ao dizer que:

o budismo é uma filosofia de caráter essencialmente psicológico, uma maneira de viver, tendo em vista a Correta Compreensão, isto é, o reconhecimento da existência do sofrimento, a verdade da causa do sofrimento, “o eterno auge da felicidade” – Nirvana – e o verdadeiro Caminho que leva à cessação do sofrimento, conhecido como NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO – Caminho da Correta Compreensão, Caminho do Meio. A palavra Buda, significando “o Iluminado”, expressa literalmente “aquele que atingiu a Completa Compreensão”; vem da palavra Bodhi, que em páli quer dizer “Suprema Compreensão, Iluminação”; o termo Budismo, pelo qual ficaram sendo conhecidos todos os seus ensinamentos, significa Caminho da Correta Compreensão (...) O termo Budismo, com o decorrer do tempo e a inclusão de rituais e outras formas externas, tornou-se rótulo de aparência sectária, como todo rótulo religioso. Buda e Budismo tornaram-se, assim, termos convencionais; contudo, os budistas preferem a denominação da Doutrina do Buda (Buda Dhamma).[2]


Por último, o pensamento de RINPOCHE (1999, p. 106) demonstra que:

quando falamos do dharma do Buddha, do que se trata fundamentalmente? O dharma oferece-nos o que é benéfico espiritualmente. Em primeiro lugar, é necessário ter uma atitude de amor, de compaixão, dirigida para o bem do outro. Sobre esta base, é preciso, em seguida, compreender o que é a mente, o motor da atividade mental. Como ela é? O que é ela? Quando, pela meditação, começamos a ter uma idéia de sua natureza, ganharmos um certo controle sobre o mental, o que permite desviar-nos do samsara e ingressar no caminho da liberação. Das numerosas tradições espirituais da Terra, estudamos, agora, o Budismo, que chamamos em tibetano o “caminho interior do Buddha”. Esta expressão refere-se, por um lado, ao fundador da tradição e, por outro, significa que está relacionada à mente, que é o interior da pessoa, semelhante ao morador de uma casa.[3] [grifos não constam do original]

Este último conceito já expõe algumas das questões mais fundamentais do Budismo. Como dito, trata-se de uma filosofia que procura investigar como se apresentam estruturalmente os processos mentais. Concomitantemente, como se originam e como podem ser eliminadas todas as formas de sofrimento que afligem qualquer criatura. Por último, a compreensão da natureza humana, seu lugar e papel em sua relação com o mundo que a cerca. É importante que se diga que tal procedimento de análise budista é um pouco diverso da metodologia e objetivo científico do mundo ocidental. Isto porque, se for tomada como exemplo a Psicologia, poderia induzir ao entendimento do Budismo como um instrumento de autoconhecimento ou auto-ajuda sem maiores pretensões, o que não corresponde aos seus objetivos.

A finalidade do Budismo vai mais além, não apenas em termos doutrinários, mas também como modus vivendi aplicável a pessoas de qualquer crença, raça, nacionalidade ou classe social. Aliás, algumas escolas do Budismo estabelecem como fala SUZUKI (1973, p. 15), que o “o Zen [Budismo] se propõe a disciplinar a mente por si mesma, fazê-la seu próprio mestre através de uma visão introspectiva na sua própria natureza. Este aprofundar-se na natureza real da sua própria mente ou na alma é o objetivo fundamental do Zen-budismo”.[4] Originado na Índia, o Budismo espalhou-se por todo o Oriente, e foi justamente nesta região mais ampla, e não tanto em sua terra natal, que se disseminou, a saber, no Sri-Lanka (ou Ceilão), no Sudeste Asiático (Camboja, Laos, Tailândia), na Ásia Central (China, Tibet, Mongólia) e Extremo Oriente (Japão).

Em cada uma dessas localidades, o Budismo tomou color próprio, adequando-se às diferentes realidades, mas sem que seus praticantes deixem de partilhar dos fundamentos essenciais, comuns às diferentes escolas e tradições, o que, aliás, é uma das características do Budismo. Atualmente, milhões de pessoas em todo o mundo o praticam e o interesse pelo Budismo é despertado em pessoas dos mais variados matizes intelectuais, sociais e, porque não dizer, espirituais, pois Tensin Gyatso, o 14º Dalai Lama, um dos grandes propagadores da doutrina, é recebido por autoridades de todos os ramos do conhecimento humano, seja científico, político ou econômico.



1 Língua clássica dos brâmanes e sacerdotes que ao tempo de Sidharta não parece ter sido popular. Significa “concluído, perfeito”; vem da preposição san que significa “com”, e da raiz kr que significa “fazer”. Língua antiga na qual foram escritos os textos religiosos do Hinduísmo e Budismo Mahayana.
2 Língua derivada do sânscrito, usada pelos monges budistas, em que foram originalmente escritos os cânones budistas da escola Theravada.
[1] Também aqui há divergência, pois algumas escolas entendem que todos os seres atingirão o estado de Buda, enquanto outras entendem ser uma energia, potencial ou possibilidade à disposição dos seres, mas que não necessariamente tal ocorrerá.
[2] SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: psicologia do auto-conhecimento – o caminho da correta compreensão. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 2002.
[3] RINPOCHE, Kalu. Ensinamentos fundamentais do budismo tibetano – budismo vivo, budismo profundo, budismo esotérico. Brasília: Shisil Editora, 1999.
[4] SUZUKI, Daisetz Teitaro. Introdução ao Zen-budismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Providências preliminares e continuidade do processo




Este texto tem por finalidade, de modo bastante simples e didático, situar a função do momento processual denominado providências preliminares em sede de Processo Civil, bem como indicar qual ou quais os próximos passos a serem trilhados pelas partes que integram a relação processual. Passada a fase postulatória, ou seja, a partir da petição inicial, finalizando com a resposta do réu, vem a fase das providências preliminares. Estas definem se o processo vai prosseguir no sentido da dilação probatória (ou seja, se haverá necessidade de se provarem os fatos alegados), se ele vai ser imediatamente sentenciado, entre outros. O julgador faz uma avaliação do processo para ver se tais providências são necessárias. Tais atitudes serão tomadas após a resposta do réu ou, não a havendo, imediatamente após o prazo para resposta.

Na verdade, o que se denomina saneamento do processo (do qual as providências preliminares fazem parte) atualmente, é realizado desde a petição inicial. Exemplo disso é quando, por exemplo, o juiz manda emendar a inicial. Os artigos 323 ao 331 do Código de Processo Civil normatizam essa fase do processo. Comecemos pelo primeiro daqueles. Tal dispositivo[1] estabelece uma determinação pela qual o juiz verifica qual ou quais as providências que devem ser tomadas. Isso quer dizer que neste momento o juiz pode entender que são necessários outros documentos, algumas emendas, e, desta forma, determinar o saneamento do processo. As providências variam caso a caso, dependendo da necessidade. Podem, inicialmente, levar a novo pronunciamento do requerente.

Já o efeito mencionado no art. 324 é o da presunção da veracidade dos fatos. Caso não tenha ocorrido o efeito acima, mandará o juiz que o requerente especifique provas, mas somente nesta situação. A partir daí, podemos elaborar uma relação geral de providências preliminares que podem ser hipoteticamente tomadas, a saber:

1.     Art. 324 – não ocorrendo a revelia, o autor deverá especificar provas;
2.     Art. 325 – se o réu contestar o fundamento do pedido ocorre a segunda hipótese, ou seja, o juiz deve abrir vista ao requerente para o manejo (ou não) da ação declaratória incidental;
3.     Art. 326 – se houver contestação com defesa de mérito indireta, ou seja, entrando fatos novos no processo, o juiz deve abrir vista ao requerente para que se manifeste;
4.     Art. 327 – alegando o requerido as matérias do art. 301, ou seja, preliminares, o juiz deve abrir vista por 10 dias para que o requerente diga sobre as mesmas. Neste caso é possível se falar em vícios sanáveis ou não. Sendo sanáveis, deverão ser corrigidas. Se insanáveis, o processo será extinto.

O julgamento conforme o estado do processo, cujo capítulo V é iniciado pelo art. 329[2], traz um conceito mais amplo, no qual podem ocorrer várias hipóteses:

1.     Art. 267 – neste caso o juiz proferirá uma sentença terminativa, não apreciando o mérito;
2.     Art. 269 – o juiz deverá extinguir o processo com resolução do mérito em uma sentença definitiva;
3.     Se não houver necessidade de mais provas, o juiz proferirá uma sentença definitiva (art. 330, Inc. I);
4.     Se ocorrer a revelia com o efeito do art. 319 será proferida uma sentença definitiva, igualmente com julgamento antecipado da lide (art. 330, Inc. II);
5.     Se não ocorrer nenhuma das hipóteses anteriores e se for caso de direito disponível[3] deverá ser marcada audiência de conciliação (art.331, §1º);
6.     Se não ocorrer nenhuma das hipóteses anteriores, e for caso de direito indisponível[4], o juiz agirá em conformidade com o Art. 331, §2º, ou seja, dará um despacho em gabinete, que é o correspondente daquele que daria em audiência de conciliação.


[1] Art. 323 – Findo o prazo para a resposta do réu, o escrivão fará a conclusão dos autos. O juiz, no prazo de 10 (dez) dias, determinará, conforme o caso, as providências preliminares, que constam das seções deste Capítulo.
[2] Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, o juiz declarará extinto o processo.
[3] Comumente, de natureza patrimonial.
[4] Exemplos disso são os direitos personalíssimos (ou da personalidade). Exemplos destes são os constantes dos arts. 11 ao 21 do Código Civil. 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Novo Código de Processo Civil



(extraído de http://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100035800/ministros-alertam-deputados-sem-tratar-de-causas-coletivas-novo-cpc-nao-resolvera-lentidao-judicial, em 21/08/2012, às 09:55)



Ministros alertam deputados: sem tratar de causas coletivas, novo CPC não resolverá lentidão judicial




Em reunião com deputados relatores do projeto do novoCódigo de Processo Civil (NCPC), 20 dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicaram os pontos que consideram críticos do texto em tramitação na Câmara dos Deputados. Um dos principais alertas foi em relação à expectativa de que o NCPC venha a ser um instrumento de agilização processual, que não seria realista.
Não acredito que a simples mudança na lei processual possa representar uma mudança significativa em termos de duração do processo. O que precisa ocorrer é uma redução no número de litígios, criar mecanismos judiciais que tornem desnecessário repetir tantas vezes o mesmo julgamento. Isso sim reduz o tempo da prestação jurisdicional e inibe a judicialização demasiada que ocorre hoje, alertou o ministro Teori Zavascki.
Autoridade dos julgados
Zavascki também apontou que a oportunidade de elaborar um código legal é rara, já que essas normas são feitas para durar e dar novos caminhos para o futuro. Segundo o ministro, o texto, até o momento, preocupa-se mais em consolidar do que em renovar o sistema.
O projeto atende em parte a essa necessidade de redução dos litígios, mas nós podemos avançar mais. Tivemos hoje aqui várias ideias nesse sentido, de prestar mais autoridade às decisões já tomadas e inibir o aparecimento de novas ações, avaliou. Não dá para pensar em processo atualmente sem considerar as ações coletivas, concluiu.
Ações coletivas
A preocupação com os processos de massa também foi tratada pelo ministro Sidnei Beneti. Ele apontou que uma questão sobre planos econômicos soma milhares de ações individuais e centenas de coletivas. Para o ministro, é preciso avançar para procedimentos que inibam o ingresso de outras ações individuais ou coletivas sobre os mesmos temas e que formem teses em tribunais superiores de forma rápida, definitiva e por salto.
Segundo Beneti, é necessário desjudicializar processos como execução e vincular de forma capilar a administração pública às decisões jurisprudenciais, de modo a evitar, também, a dispersão jurisprudencial. Para ele, ao evitar abordar as ações repetitivas, o texto do NCPC corre o risco de não dar celeridade aos procedimentos nem limpar a massa de lides a varejo.
Garantismo fiscal
O ministro Cesar Asfor Rocha ressaltou sua preocupação com o excesso de poder do estado contra o contribuinte. Para o decano do STJ, nem tudo que o estado postula traduz interesse público, e há distorções claras no sistema.
Ele, que considera as regras constitucionais uma conquista da civilização, sustentou que a fazenda pública, hoje, não precisa de benefícios de prazo, por exemplo. Em sua avaliação, o estado já é poderoso, e quem precisa de proteção é a pessoa.
Paridade de armas
Preocupação similar esteve presente nas observações do ministro Herman Benjamin. A proteção dos sujeitos vulneráveis define o estado social, afirmou. Portanto, o NCPC, ao contrário do vigente, não pode tratar as partes como se fossem iguais. É fundamental que isso esteja reproduzido no ônus da prova e na paridade de armas, completou.
Via de regra, o processo só é benéfico para quem tem recursos financeiros, bons advogados, uma banca de advocacia à sua disposição 24 horas por dia, todos os dias do ano. É fundamental essa mudança de perspectiva, no sentido de assegurar a paridade de armas, afirmou.
É uma aberração da liberdade processual a juntada de cinco pareceres, dos melhores especialistas do país, em um processo em que a outra parte sequer tem um advogado para fazer sustentação oral. Ou que memoriais sejam apresentados no último momento, sem conhecimento da parte contrária, e esses memoriais e pareceres sejam citados nas sustentações orais e nos votos dos relatores, criticou Benjamin.
Isso desestrutura a paridade e o próprio sentido de justiça da processualística, que deve gerir a prestação jurisdicional, asseverou. O texto do NCPC está passando por um debate amplo e essa questão da paridade de armas e proteção aos vulneráveis está muito clara no encaminhamento dado pela comissão, concluiu o ministro.
Litígio e conciliação
O relator geral da Comissão Especial da Câmara para o CPC, deputado Sérgio Barradas Carneiro, apresentou, ao lado do relator substituto, deputado Paulo Teixeira, os principais pontos alterados pelos deputados em relação à proposta aprovada no Senado Federal.
Para Carneiro, o texto traz celeridade sem atropelar direitos. Ele acredita que a mudança legislativa é só uma parte das medidas a serem tomadas pela sociedade, que precisa enfrentar as dificuldades de infraestrutura da primeira instância da Justiça e a mentalidade dos operadores do direito, que ainda se focam, desde a graduação, no litígio e não na conciliação. Ele apontou ainda que uma lei nunca é a ideal, mas a possível.
O deputado Teixeira afirmou que o NCPC precisa se adequar a uma sociedade contemporânea e complexa, em que mais de 40 milhões de pessoas ascenderam socialmente, fenômeno que deve pressionar ainda mais a demanda judicial. Ele apontou como alterações necessárias, mas ainda não contempladas, a remuneração dos advogados pelas conciliações e não só pelos litígios. Para Teixeira, o Judiciário é responsabilizado por falhas que não são dele.
Eu esperava uma posição mais defensiva da Corte, mas encontramos uma exigência forte por instrumentos modernos para o Judiciário. Saio muito realizado daqui. Espero que consigamos convencer a todos da adoção desses mecanismos no NCPC, afirmou Teixeira.
Destaques
Entre os destaques eleitos por Carneiro, estão a criação de um incidente para resolução de lides repetitivas, em que um único processo representativo da questão é submetido às instâncias superiores para fixação de tese, o prestígio de meios eletrônicos inclusive videoconferências em ações civis , limitação ao número de testemunhas e aumento da multa para recursos protelatórios.
O texto também fixa o caráter alimentício dos honorários, regulamenta a força normativa da jurisprudência, o amicus curiae e as astreintes (multa para forçar o cumprimento de decisão), e faz com que a sentença gere um título passível de protesto. Outras mudanças são a abordagem do ônus da prova, que passa a não ser confundido com encargos financeiros de produção de prova, e a instituição do regime inicial semiaberto para a prisão civil do devedor de alimentos.
Segundo o relator geral, o trâmite do NCPC na comissão especial deve se encerrar em 18 de setembro, com a aprovação dos destaques. Depois, a matéria segue ao plenário da Câmara, antes de ser devolvido ao Senado em razão das diversas alterações que o texto deve sofrer.
A ministra Nancy Andrighi celebrou a iniciativa dos deputados. Ela afirmou que, apesar de atuar diariamente com processos há mais de 30 anos, é a primeira vez que soube da presença de parlamentares no STJ para ouvir os seus membros em um debate aberto.
Participaram da reunião o presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, e os ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Teori Zavascki, Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Herman Benjamin, Humberto Martins, Sidnei Beneti, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Raul Araújo, Mauro Campbell, Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva, Antonio Carlos Ferreira, Sebastião Reis Júnior, Paulo de Tarso Sanseverino e Março Buzzi, além do desembargador convocado Adilson Macabu e dos professores Paulo Lucon (USP) e Daniel Mitidiero (UFRGS).