quarta-feira, 20 de julho de 2016

O que podemos fazer?





O que podemos fazer?
 
Recentemente, a fala específica da protagonista de um filme[1] chamou minha atenção. Em conversa com o pai acerca da uma outra pessoa, acometida de uma grave doença, foi-lhe dito algo como: “Não há nada que possamos fazer pelas pessoas além de amá-las”. Trata-se de uma belo roteiro o qual recomendo. Mas o que realmente interessa não é o conteúdo expresso do discurso da personagem, mas o latente.

Isto porque não me parece sensato inferir de modo absolutamente positivo acerca da interferência realizada historicamente pela raça humana ao longo de milênios (individual e coletivamente, no planeta, em sua psique, entre outros), em vários nomes (ciência, religião, política, entre outros) e que gerou, inegavelmente, consequências. Destas, por sua vez, talvez sequer tenhamos condições de fazer uma avaliação ponderada, a começar pelo simples fato de que nem mesmo um (suposto) elo perdido do antropos não tem evidência definida (definitiva?), bem como o estabelecimento cronológico do homo sapiens sapiens[2].

Apontei tais referências para que possamos iniciar uma compreensão do nosso lugar de fala em relação à trajetória humana em busca de si mesmo, por meio de simples (simplista?) questão: quando nem mesmo sabemos de onde viemos é razoável afirmar para onde iremos? Sendo assim, nossa jornada diária pelo significado de estarmos na condição, segundo entendo, para além de valer-se de um extenso cabedal racionalista (matemática, física, apenas para mencionar alguns campos da ciência contemporânea), pode utilizar outros saberes que agregam, de modo valioso, (in)formações que extrapolam o denominado “senso comum”.

Um bom exemplo é fornecido pelo conteúdo das palavras do Xamã Domano, no belo texto de WHITAKER (1995, p. 33), quando uma pessoa que começou sua iniciação com aquele guia tribal conversava acerca do padrão mental vivido pelo ocidente:

- Mas conheço muitas pessoas que são felizes e realizadas. – Olhei para Domano.
- Isto é somente uma imagem de suas máscaras. – comentou ele, de forma suave. Asseguro a você que o que aparenta ser felicidade não passa de uma imagem criada por elas e todo os que as veem, que representam suas distrações da verdadeira condição do amor subjacente que se encontra confusa e com medo.[3]  

Isso me lembra uma conversa que tive com um Colega Professor da faculdade onde leciono, acerca do que ele denomina de "processo de imbecilização coletiva":  a mais que explícita indiferença com aquilo que importa. Ou seja: leitura de material útil; reflexão e mudança pessoal - e coletiva - efetiva; atitudes pró ativas (positivas) de proteção e concreta defesa do meio ambiente; transformação das mentalidades (e discursos) no sentido de superar o binário "certo" e "errado", "feio" e "bonito", entre tantos exemplos.

Por outro lado, uma demonstração maciça (nas chamadas "redes sociais") de apreço (ou interesse - o que dá no mesmo), por meio de "curtidas", daquilo que é absolutamente inútil[4]: imagens de pessoas que ostentam alguma forma de poder (financeiro, político, midiático, entre outros); imagens associadas a textos (denominados "memes") que vem do nada e dirigem-se a lugar algum, pois são dados absolutamente inconsistentes e/ou desprovidos de qualquer fundamento científico e/ou filosófico; imagens de situações que aparentam  sentimentos ou ações que em sua quase totalidade não correspondem à  realidade (exemplo: pessoas absolutamente infelizes e/ou miseráveis em suas uniões, que aparecem em fotos nas quais sugerem, mediante largos sorrisos, a  mais completa realização e satisfação).

Com isso quero dizer que a experiência vivencial (quanto a emoções, profissão, crenças, entre outras) de cada pessoa pode assumir as mais variadas formas ou expressões mas, ao mesmo tempo, não fornecer o “algo a mais” para preencher um (suposto?) vazio existencial que a contemporaneidade parece induzir. Ultimamente digo que uma de nossas alternativas é desenvolver estratégias de supervivência, ou seja, (re)construir(-se) enquanto humano(a) por meio de várias alternativas disponíveis, em muitos casos, há milhares de anos. Uma delas é indicada por SILVA (2009), por meio de seu ótimo trabalho de iniciação ao Yoga, abordando vários temas e, em particular, a (típica?) diáspora entre o corpo e a mente. Tal separação poderia ser contornada por meio daquela tradição que reúne técnicas de respiração, posturas entre vários outros elementos, a fim de se atingir um objetivo último, a saber “a integração do ser individual (jêvâtaman) ao Princípio supremo (Paramâtman) a partir da superação da ideia ilusória de que estas entidades estão separadas por serem essencialmente diferentes”. Não é de se espantar que homens do quilate de Carl Gustav Jung tenha se interessado por tal tradição filosófica, como o indica o autor acima, ao dizer:

C. G. Jung desconfiou que a psique pudesse ter amplitudes extra biológicas, cunhando o conceito de ‘inconsciente coletivo’, significando um conjunto de conteúdos arraigados no inconsciente das coletividades humanas que nos atrai quando passamos a buscar nossa real identidade a partir da segunda metade da vida (...) Tanto isso é verdade, que Jung se aprofundou no estudo das tradições orientais e inclusive do Yoga[5].

Volto ao título desse texto: o que podemos fazer, por cada um(a) de nós, pelo coletivo, pela morada que é nossa morada, nos sustenta e que denominamos de Planeta Terra? De maneira bastante simples (simplista?), a resposta seria: dependerá de nossas escolhas. E estas associam-se ao consideramos relevante.     



[1]Título original: Me before you; Diretor: Thea Sharrock; Ano de lançamento: 2016.
[2]MEYER, Diogo. A origem do homo sapiens sapiens: uma questão não esclarecida. Disponível em www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/download/40309/43194, acessado em 20/07/2016, às 19:23. Até hoje, estudos (sérios) como o indicado, não são conclusivos acerca de uma precisa datação da origem do que atualmente se denomina homo sapiens sapiens, a qual variaria entre 200.000 e 1.000.000 de anos.
[3]WHITAKER, Kay Cordell. A iniciação de uma Xamã. Rio de Janeiro: Record, 1995.
[4]Sem aqui entrar no mérito da discussão (conceituais e de ordem prática) sobre o que vem a ser, na pós-modernidade, (in)útil.
[5]SILVA, Gerson D’Addio da. Curso básico de Yoga: teórico-prático. 2a. ed. rev. e ampl. São Paulo: Phorte Editora, 2009.

Um comentário:

  1. Escolhas sempre nos encaminham a horizontes novos, bem como a novos desafios. Excelente reflexão!

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