terça-feira, 28 de agosto de 2012

Jurisdição e seu significado na contemporaneidade



Este texto tem por objetivo, de modo simples e didático, expor o significado do termo jurisdição, bem como sua implicação prática na contemporaneidade. Entendida tradicionalmente como o poder-dever de aplicar o direito aos casos levados ao Poder Judiciário (nos processos judiciais), jurisdição nada mais é, por um lado, do que a obrigação que o Estado tem de solucionar os conflitos interpessoais que não o foram de maneira espontânea. Dito de outra forma e exemplificando: caso não se chegue a um acordo relativo aos prejuízos causados por um jarro que acidentalmente um morador de um apartamento derrubou em cima de um veículo estacionado no térreo de um prédio de apartamentos, poderá o proprietário do carro distribuir (manejar ou “dar entrada”) em eventual ação de reparação de danos.

Esse é o sentido do “dever” jurisdicional. Quanto ao “poder” ele o é de fato e de direito, ou seja, aos ocupantes do cargo na carreira da magistratura nacional é conferida a autoridade estatal de decidir o pleito das partes envolvidas em determinada situação, a qual não foi amigavelmente resolvida. Tal posição de mando é prevista já a partir do texto constitucional[1] e em vários dispositivos na legislação infraconstitucional[2]. Ou seja, é o(a) juiz(a) que tem, nos limites previstos no ordenamento normativo brasileiro, não apenas a prerrogativa mas a obrigação de resolver a demanda proposta. Tal tarefa pode até parecer “simples” para algumas pessoas, mas definitivamente não é bem assim. Isto porque o chamado poder jurisdicional, muito mais do que simples e mecanicamente “ler” a lei e aplicá-la a uma situação fática, precisa, igualmente, atender a várias outras expectativas. Grosso modo, a sociedade contemporânea, em seu afã pela satisfação das necessidades individuais e coletivas, exige uma resposta direta, concreta e eficiente nos processos judiciais.

O que se quis dizer na última oração é que ao(a) julgador(a) não basta apenas cumprir um “mero” papel de tecnocrata do Direito, ou seja, não é suficiente que apenas “diga” ou conceda o direito pleiteado pela parte, mas deve fazê-lo também: i) apresentando argumentos que sejam ao mesmo tempo convincentes e sensatos e; ii) determinando atos processuais eficazes, ou seja, que tragam resultados efetivamente úteis à pessoa interessada. Novamente: esta tarefa não é, de modo algum, fácil. Se por um lado o Poder Judiciário conta com uma estrutura composta por servidores, aparato tecnológico, instalações modernas, entre outros, por outro enfrenta dois grandes inibidores de sua atividade: o enorme número de demandas propostas, além da ainda legislação processual que (infelizmente?) permite recursos de caráter nitidamente protelatório.

A tentativa de superar a situação descrita pode ser observada, por exemplo, em estratégias elaboradas e implementadas pelos Órgãos Jurisdicionais, como as “Metas Nacionais do Poder Judiciário”, desenvolvidas em encontros e colocadas na prática pelos respectivos Tribunais pelo país afora[3]. Tudo isto foi dito para que se possa, ao final, valer-se do processo judicial para fazer uma justiça consistente, sólida, utilizando propostas significativas como a que faz PERELMAN (1999, p.163): “Na concepção atual do direito, menos formalista, porque preocupada com a maneira pela qual o direito é aceito pelo meio regido por ele e que, por isso mesmo, se interessa pelo modo como uma legislação funciona na sociedade, é impossível identificar pura e simplesmente o direito positivo com o conjunto de leis e regulamentos, votados e promulgados em conformidade com critérios que lhes garantem a validade formal. Pois pode haver divergências consideráveis entre a letra dos textos, sua interpretação e sua aplicação”.[4]



[1] Art. 93, Inciso I: “ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”
[2] Apenas como exemplo, o atual art. 1º do CPC: “a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”. Interessante observar que no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil a jurisdição ganha contornos diferenciados, pela leitura do art. 1º (“o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado con-forme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”) e 4º (“as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”).
[3] Exemplo disso pode ser observado na exposição feita pelo Conselho Nacional da Justiça, no seguinte link: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/eventos/encontros-nacionais/4-encontro-nacional-do-poder-judiciario/metas-2011.
[4] PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 163 e segs.

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