sábado, 13 de agosto de 2011

Dois ou mais amores: por que não?



Não é difícil perceber que o ocidente elaborou e reproduz de inúmeras maneiras o mito do (único) amor (eterno). E de fato se trata de um mito. A foto que inaugura este texto foi deliberadamente colocada para literalmente retratar este aspecto cultural, psicológico e, claro, emocional. No caso da gravura, quis indicar um ambiente no qual a união é celebrada e/ou mantida por um conjunto, o qual é repreentado pelo masculino e o feminino. E para falar um pouco sobre isso, vamos nos reportar ao mito de Eros e Psiquê. Como a descrição do mito é relativamente grande, irei colocar apenas as partes que interessam neste momento.

Psiquê é uma personagem da mitologia grega, personificação da alma. Seu mito é narrado no livro "O Asno de Ouro", de Apuleio, que a cita como uma bela mortal por quem Eros, o Deus do Amor, se apaixonou. Tão bela que despertou a fúria de Afrodite, Deusa da beleza e do amor, mãe de Eros. O fato é que os homens deixavam de frequentar os templos de Afrodite para adorar uma simples mortal, Psiquê.

A Deusa mandou seu filho atingir Psiquê com suas flechas, fazendo-a se apaixonar pelo ser mais monstruoso existente. Mas, ao contrário do esperado, Eros acaba se apaixonando pela moça - acredita-se que tenha sido espetado acidentalmente por uma de suas próprias setas. Com o próprio Deus do Amor apaixonado por ela, suas setas não foram lançadas para ninguém. O tempo passava, Psiquê não gostara de ninguém, e nenhum de seus admiradores tornara-se seu pretendente.

Em grego "psiquê" significa tanto "borboleta" como "alma". Uma alegoria à imortalidade da alma, como a borboleta que depois de uma vida rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e torna-se um belo aspecto da primavera. É considerada a alma humana purificada pelos sofrimentos e preparada para gozar a pura e verdadeira felicidade.

Existem vários outros aspectos talvez até mais importantes neste, que considero um dos mitos mais significativos do ocidente, mas quero chamar a atenção para um fato: desde que nascemos somos constantemente por ele assediados, e isto porque, ao que tudo indica, para boa parte das pessoas o sentido (único?) da vida é encontrar o (verdadeiro) amor, que seria representado ou estaria encarnado na pessoa com a qual nos uniríamos.

Acredito que boa parte das pessoas possa se identificar com o contexto acima. Mas já nos demos conta de que o mito nos diz muito mais do que isso? Na verdade, para que pudéssemos fazer a leitura deste mito, deveríamos utilizar várias ferramentas, especialmente pelo fato de que apenas para falar sobre a palavra amor (ou mesmo psiquê) já seríamos obrigados a estudar os seus vários sentidos. De qualquer forma, entendo que uma das leituras que considero mais interessantes para o mito é a de que além de podermos desenvolver o amor em sua amplitude ilimitada (o chamado Amor-ágape) também podemos e devemos perceber que o amor que deveríamos desenvolver INICIALMENTE é o amor-próprio. O que isso nos quer dizer?

Em primeiro lugar, e segundo entendo, é evidente que não é somente o encontro de uma outra pessoa que irá nos realizar como humanos mas, principalmente, o encontro interior, o encontro do si mesmo que poderá nos trazer uma efetiva superação de nossas maiores dificulddes, sejam internas ou externas, perante um mundo de dificuldades como o nosso. Dito de outra forma, ao tentarmos compreender a nós mesmos, nossa origem, nossa finalidade, ou seja, ao perceber em última instância o significado disso que chamamos "eu", temos uma excelente oportunidade de completude em nós mesmos.

Por outro lado, o amor por si definitivamente não pode ser confundido com seu, por assim dizer, desvirtuamento, a saber, o Amor-egóico ou, de modo mais simples, o egoísmo, levado às últimas consequências. Se estamos falando da descoberta ou percepção de um sentimento ou energia tão poderosos, capazes inclusive de contribuírem para a manutenção da própria raça humana, não poderíamos esperar que se tratasse de uma ocorrência ordinária. De fato, muitas pessoas registram que ao se descobrirem (e se amarem) sentem-se como que num estado de êxtase, de quase transe. E de fato é assim.

Porque, então, não entendermos que isso que chamamos de amor deveria, antes de tudo, passar pelo "verdadeiro" amor por si? Reconhecendo o amor por si, em princípio, teríamos no mínimo parâmetros legítimos para saber do que estamos falando, ao dizer "eu amo", não acham?

Sejam Amor...

Tulio

Nenhum comentário:

Postar um comentário