sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - II



Por último, um ensinamento profundo do Senhor Kalu Rinpoche, em seu excelente "Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano: Budismo Vivo, Budismo Profundo, Budismo Esotérico", Brasília: Shisil, 1999, p. 198: "... estudar a lei infalível do karma. A expressão tibetana que a designa, composta de três palavras (le-gyu-dre), abarca o princípio:
. le significa 'ato', em um sentido que se estende a toda nossa personalidade: o que nós fazemos com nosso corpo, nossa palavra e nossa mente;

. gyu significa 'causa': todos os nossos atos, positivos ou negativos, deixam uma marca em nossa mente, que é a causa de um acontecimento futuro;

. dre significa 'resultado': procedendo da causa positiva ou negativa, os atos produzem um resultado correspondente sob a forma de uma situação feliz ou dolorosa.

A lei do karma significa, portanto, que nossos atos são causas que engendram, segundo sua natureza, resultados definidos.
Os atos são chamados negativos quando têm como resultado no futuro, sofrimento para seu autor. Sua natureza é descrita em detalhe em diferentes textos, mas a resumimos em dez:
. três atos negativos do corpo:
- suprimir a vida;
- tomar o que não é dado;
- ter uma conduta sexual incorreta;

. quatro atos negativos da palavra:
- a mentira;
- as palavras que ferem;
- os propósitos que criam a discórdia;
- as palavras ociosas;

. três atos negativos da mente:
- a cobiça;
- a malevolência;
- as visões errôneas (...)

A variedade dos destinos humanos é extremamente grande: alguns têm uma vida curta, outros uma vida longa; alguns gozam de uma boa saúde, outros sofrem de uma compleição doentia; alguns são ricos, outros pobres. A maior parte das pessoas não vêem explicação para essa diversidade. 'É assim', pensam simplesmente. Na realidade, o acaso não significa nada: a disparidade dos destinos se deve à disparidade dos karmas."

Considerando tudo o que foi anteriormente dito, acho que podemos agora fazer algumas considerações sobre alguns pontos específicos, visto que o tema é por demais abrangente. O primeiro que gostaria de ater-me é, por assim dizer, de natureza conceitual, por um lado, e referente às conseqüências, por outro. Vou insistir num ponto que já havia comentado anteriormente. É que ao dizer que palavra karma significa "ato" pode parecer que deveríamos nos preocupar apenas com aquilo que se faz, mas não com aquilo que se deixa de fazer, o que, na minha opinião, pode gerar vários inconvenientes, além de talvez não ser a interpretação mais adequada do que o princípio nos deixa perceber.

Em nossas vidas, praticamos uma série infinita de atos, palavras e pensamentos mas, por outro lado, também deixamos de fazer uma infinidade de coisas. Parece evidente que, por exemplo, ao ver um acidente de carro, com pessoa(s) acidentada(s) precisando de ajuda, caso não se tome providências, ou seja, caso deixemos de auxiliar tais pessoas podendo fazê-lo, entendo que fatalmente haverá conseqüências. Neste ponto, então, podemos perceber que não apenas a inação (ou inatividade), mas também a intenção é um fator importantíssimo em nosso comportamento. É claro que, ao deixar de fazer ou fazer algo, tal elemento está presente.

Desta forma, seria bom refletirmos sempre em relação não apenas ao que fazemos mas também ao que deixamos de fazer. Aqui vai uma provocação: fazer (ou deixar de fazer) implica necessariamente na exclusão de seu antípoda? Dou um exemplo: se você não dá uma "esmolinha" no meio da rua, você necessariamente está contribuindo para que não haja mais pedintes?

Vou insistir acerca de um ponto, mas que entendo ser pertinente. É que o Senhor Gautama também enfatizou sempre, segundo a tradição Páli, sobre a inevitabilidade do carma. Significa isso que por mais que não queiramos, todos os atos, pensamentos e palavras produzidos ao longo de incontáveis renascimentos fatalmente irão produzir suas conseqüências. Por mais que se queira fugir de tais, por assim dizer, fatalidades, nos será impossível.
A partir daqui oriento as inferências no sentido da tradição do Budismo, visto que é a base de meus ensinamentos. Desta forma, um tema é intrinsecamente ligado ao carma, visto que uma das propostas do Budismo é justamente eliminar o sofrimento: se, ao nos depararmos com o Dharma, desenvolvermos consciência, e desenvolvermos plena compreensão de que "tudo" (em termos de seres ordinários ou comuns) gera carma, é evidente que para que possamos não apenas transcender mas não mais gerar carma, é imprescindível uma linha, um norte em nossas ações, pensamentos e palavras. Dito de outra forma, é sabido que sem uma ética, um conjunto mínimo de regras, fica complicado de seguir a senda para a Iluminação.

Um bom início, entendo, é iniciar pela ética, por assim dizer, primordial, que no Budismo chama-se panca-sila, ou preceitos básicos. São eles: 1) não matar ou ferir outros seres; 2) não tomar o que não lhe foi dado; 3) evitar a má conduta em questões sensuais (e não apenas sexuais); 4) evitar o discurso infrutífero; 5) não tomar intoxicantes.

Segundo a tradição, o próprio Gautama teria prescrito essas regras principais para uma conduta santa, a fim de que se possa estabelecer um terreno fértil para que se possa atingir a Iluminação. Cada um de tais preceitos, por sua vez, gera uma série de algumas considerações que, nas próximas postagens, farei. Se para algumas pessoas parecem ser preceitos "difíceis" seguir, o que dizer de monges e monjas que tem que seguir mais de 200 preceitos?

Tulio

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