sábado, 20 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - IV



Podemos passar à segunda panca-sila, ou seja, não tomar o que não nos foi dado. Pode parecer um pouco óbvio este preceito, se o entendermos apenas no sentido (material) de não furtar e não roubar (sendo que o furto e o roubo são juridicamente definidos como "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel", para o primeiro, e "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel mediante grave ameaça ou violência", para o segundo).

Desta forma, é relativamente simples compreender que devemos usufruir das coisas que conseguimos por nosso próprio esforço, ou seja, por intermédio de nosso trabalho e, desta forma, podemos comprar ou trocar coisas. Com tal preceito o Buda de fato incentivou sempre não apenas que se dê o devido valor ao trabalho, às coisas, mas também o fato de que ao trabalhar para obtê-las, (supostamente) não estaríamos prejudicando ninguém, além de estarmos fazendo algo de útil para outras pessoas.

É sempre bom lembrar que tais preceitos tem um caráter, segundo entendo, nitidamente (mas não exclusivamente) pedagógico, ou seja, ao trabalharmos para obter as coisas, também vamos progressivamente desenvolvendo a consciência de que outros seres também se esforçaram para acumular mérito e, por isso, não seria adequado furtar ou roubar o que tais seres justamente conseguiram.

Também não vejo dificuldade em perceber que ao aceitar doações, evidentemente não estamos tomando o que não nos foi dado, pelo óbvio que, sendo assim, não foi tomado. Ou seja, espontâneamente alguém quis nos ajudar e praticar a bondade e, segundo entendo, não seria apenas indelicadeza, mas também um gesto de ingratidão para com o(a) doador(a).
A terceira panca-sila, ou seja, evitar a má conduta quanto a questões sensuais, assim como as outras, permite uma série de interpretações e/ou discussões. Para evitar ficarmos falando daquilo que não nos auxilia, vou me ater a alguns assuntos que reputo mais urgentes e/ou práticos, por assim dizer.

Em primeiro lugar, é importante que reflitamos sobre o próprio preceito e seu significado, para em seguida, meditarmos sobre seus desdobramentos. Quando se diz "evitar má conduta sobre questões sensuais", logo de início já podemos perceber que o Budismo e o próprio Buda tinham uma consideração especial sobre nossa relação com a experiência, ou seja, que esta também seja um elemento muito importante para o desenvolvimento da sabedoria, visto que por meio de nossas experiências podemos acumular não apenas informações sobre como se relacionar conosco e com o mundo, mas também, e talvez principalmente, acumular mérito a fim de que se desenvolva uma sabedoria transcendente.

Desta forma, é evidente que durante nossos renascimentos temos uma infinita quantidade de experiências, táteis, gustativas, olfativas, auditivas, visuais e mentais (lembrando sempre que a mente, para o Budismo, também é um órgão sensorial) . É justamente esse infinito conjunto de experiências que vão contribuindo (e não apenas determinando) para que o carma desenvolva-se. Exemplificando: um ser humano que ao longo de, digamos, 100 vidas terrestres tenha inúmeras experiências com, por exemplo, música, seja como um músico, cantor ou o que quer que seja, teria (ao menos por lógica) condições favoráveis  para que, num futuro renascimento, possa aflorar sua tendência para a música, o que não se trata de uma conclusão ou consequência necessária.

Desta forma, nossos seis sentidos, os cinco "comuns" acrescidos da mente fazem a "leitura" da "realidade" na qual estamos e também por intermédio deles vamos elaborando nossa relação com o mundo, as pessoas, e conosco.
Bênçãos para todos os Seres.

Tulio

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