domingo, 21 de agosto de 2011

O Karma e suas implicações - VI



Após algumas reflexões, podemos passar à quarta panca-sila, a saber, evitar o discurso inútil, infrutífero, evitar a tagarelice, entre outras denominações que possamos dar. Inicialmente, entendo que esta panca-sila, em sua essência, quer nos transmitir a idéia de que se deve evitar todo tipo de palavra (falada, escrita e/ou pensada) que não contribua ou conduza à liberação do sofrimento. Dito de outra forma, é evitar todo discurso que, de alguma maneira, não (en)seja o despertar. Qual o significado, digamos, operacional, disto?

Em primeiro lugar não se trata, ao menos ao nível de seres ordinários, de que não se ouça, fale ou não se leia nada que não sejam textos do/sobre o Dharma, até porque, regra geral, 99% das pessoas não são monges ou monjas e, afinal de contas, é necessário trabalhar, pagar contas, entre outras atividades. Desta forma, é mais do que sensato que nos dediquemos sinceramente às nossas tarefas pessoais/profissionais e as mantenhamos com dedicado labor. Assim, tomando meu exemplo, é evidente que para manter-me em minha profissão, é necessário que eu também leia, converse e discuta questões jurídicas, visto ser advogado.

Além disso, entendo ser absolutamente saudável (e necessário) que se leia, converse e divulgue textos não apenas sobre outras tradições religiosas ou mesmo filosóficas, mas também as várias outras formas de expressão escrita como romances, revistas, entre outras, não apenas como meio de nos mantermos informados sobre novidades, mas também como forma entretenimento construtivo. É evidente que estou falando de conversas, textos, artigos elaborados por pessoas sérias, que sinceramente dedicam-se a promover a cultura, o conhecimento e principalmente a melhoria tanto individual quanto coletiva.

Em segundo lugar, não vejo muito sentido em se buscar ou mesmo estar em contato com pessoas e/ou textos (e mesmo ambientes) nos quais reiteradamente se faz a crítica pela crítica, a calúnia, a maledicência, ou seja, toda a forma de depreciação alheia ou mesmo pessoal.
Um outro viés quanto à quarta panca-sila diz respeito ao fato de que ao sugerir para que evitemos a tagarelice, tal preceito tem uma nítida função pedagógico-funcional. É que ao não perdemos nosso tempo em conversas sem sentido ou literalmente inúteis, evitamos expressamente a perda de energia com tais atividades e canalizamos nosso raciocínio e palavras para atos construtivos.

Desta forma, nosso discurso orienta-se no sentido de procurar não apenas a palavra mas o conteúdo adequado, indicado para que aqueles(as) que ouvirem possam ser ajudados e também nos ajudem. Há também um desdobramento dessa panca-sila. É que ao nos mantermos afastados do discurso inútil, automaticamente nos afinamos com ambientes, pessoas, situações que estejam, por assim dizer, na mesma "faixa vibratória". Entendo que não seria de se esperar, por exemplo, ver o Cristo, Buda ou mesmo quaisquer outros(as) iluminados(as) blasfemando, injuriando, mentindo, maledizendo. Em consequência, é de se esperar que aqueles(as) que também se identificam com tal postura, dificilmente iriam agir de modo diverso.

É bem verdade que fica um pouco difícil identificar o que seria um discurso "inútil" em se tratando de contemporaneidade, onde existem tantas formas de comunicação e tanta coisa não faça sentido ou mesmo faça sentido tão diferente do que se considera "correto". Mas um (e não apenas o único) critério para tal reconhecimento, seja o de perceber se a pessoa que fala, usa seu discurso para fazer meramente  crítica, ou seja, a famosa "crítica pela crítica", sem sequer fazer menção a aspectos positivos daquele(a) que se critica. Aliás, a própria crítica, segundo entendo, talvez não seja algo que leve muito a algum lugar, quando encarada em si mesma. É que atualmente, ao termo "crítica" foi dado o sentido de "depreciação", "análise pejorativa" o que, rigorosamente e até onde entendo, não contribui em muita coisa.
Tulio

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