sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre medo e naftalina



Este texto tem a proposta de apresentar apenas algumas aproximações sobre o tema e evidentemente não tem a pretensão de encerrar, mas, muito antes, iniciar o debate. Sendo assim, expõe o entendimento do autor sobre o assunto em questão e desde já informa que se trata de uma abordagem não necessariamente “científica”, se considerado este verbete em sua acepção tradicional, por um lado, ou uma abordagem motivadora, visto o conhecimento em sua perspectiva transdisciplinar. Passemos ao assunto propriamente dito.

Não se perca em extensas pesquisas para constatar uma das manifestações mais intensas da raça humana, elemento constante de epopéias narradas desde a idade da pedra e que ao mesmo nos fascina e intriga: o medo, e seu descendente direto, o pavor. A par dos desdobramentos deste sentimento, energia ou motivação, o fato é que não houve um único ser humano que ao menos em uma (ou várias) oportunidade(s) de sua história pessoal não tenha passado por momentos de puro terror diante de uma ameaça iminente. Sendo assim, talvez seja interessante fazer uma brevíssima exposição de sua fenomenologia.

Observe a foto intencionalmente colocada no início deste texto. Por experiência própria basta surgir a imagem de um lobo raivoso ou mesmo de um lobisomem em um filme, para que muitas pessoas (inclusive eu) fiquem paralisadas de medo. Somente nos últimos anos é que a consciência para esta temática veio à tona. A pergunta que fica é: porque o medo específico daquele animal? Mas o medo se refere apenas à selvageria bestial, às suas conseqüências ou há algo além que o sustenta? Evidentemente, este é apenas um exemplo de algo que nos infunde medo, mas poderia ser qualquer outro. Passemos à sua definição.

De modo simples, encontramos na internet o seguinte conceito: “O medo é um sentimento que proporciona um estado de alerta demonstrado pelo receio de fazer alguma coisa, geralmente por se sentir ameaçado, tanto fisicamente como psicologicamente. Pavor é a ênfase do medo. O medo pode provocar reações físicas como descarga de adrenalina, aceleração cardíaca e tremor. Pode provocar atenção exagerada a tudo que ocorre ao redor, depressão, pânico, etc.
Medo é uma reação obtida a partir do contato com algum estímulo físico ou mental (interpretação, imaginação, crença) que gera uma resposta de alerta no organismo. Esta reação inicial dispara uma resposta fisiológica no organismo que libera hormônios do estresse (adrenalina, cortisol) preparando o indivíduo para lutar ou fugir.” (extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Medo, acessado em 16/07/2011, às 16:37)

O conceito acima não tratou de outros aspectos talvez tão ou mais importantes sobre o assunto. Um deles é a gênese ou causa do medo. Mas menciona uma alternativa terapêutica para sua superação, denominada “dessensibilização sistemática”. De qualquer forma, ainda permanecem as perguntas: essencialmente, o que é o medo? O que o faz surgir e se manter? Trata-se de uma reação puramente fisiológica a um estímulo ou é elemento psicológico (permanentemente?) presente na vida das pessoas, enquanto arquétipo ou outra categoria?

A partir daqui o que importará é a percepção empírica acerca do medo. A escolha por esta metodologia se justifica pelo fato de que se trata de uma experiência que é vivenciada por qualquer ser humano. Na condição de observadores não é difícil constatar que este sentimento é uma constante presença nos mais diversos campos da atividade humana, já a partir da filosofia clássica, passando pela religião, artes, ciências, entre outros. Há pelo algum tipo de referência a um medo específico ou, por outro lado, o medo abstratamente considerado.

Invariavalmente, a narrativa da pessoa com medo se reporta a algo (alguma ameaça real à incolumidade física ou psíquica de si mesmo, de pessoas pelas quais temos afeto, alguma figura icônica como um “monstro” ou algo semelhante, medo da violência, do desemprego, entre outros) que direta ou indiretamente desequilibra seu campo emocional, espiritual, moral ou outro aspecto interno de grande relevância. Inicialmente pode-se pontuar que o medo é, entre outros, a resposta verificada a uma incapacidade (mesmo que aparente, momentânea ou efetiva) em lidar com algo que se apresenta como “superior” a nós.

Imaginemos um exemplo factível: você está numa situação em seu ambiente de trabalho, na qual terá que convencer seu superior de que não apenas você não causou prejuízos para a instituição para a qual trabalha (ou seja, terá que comprovar sua inocência) mas também terá que indicar e demonstrar quem é efetivamente a pessoa culpada. Alguns conseguiriam superar essa dificuldade como impressionante facilidade. Ocorre que para muitas pessoas somente a idéia de estar num contexto como esse já desencadearia um processo, em casos mais complexos, de total apavoramento. Seja porque pode representar a perda do emprego, o desafio de uma autoridade (no caso, representada pelo chefe), a projeção da figura paterna em alguém visto como obstáculo a uma ascensão profissional, sem falar na própria dificuldade pessoal em sobrepujar a causa do temor.

O exercício acima nos dá uma pálida noção do que o medo, para milhões de seres humanos, significa. Retomemos o ponto inicial. Nos sentimos incapazes, impotentes ou diminuídos em relação àquilo que, em nosso entendimento, representa uma prenúncio (totalmente?) negativo. E tais percepções de nós mesmos podem ocorrer por uma série de razões, sendo uma delas justamente essa auto noção depreciante ou desqualificante. Dito de outra forma: o medo tem uma de suas raízes fincada na consideração negativa e/ou a suposição de que não conseguiremos sobrepujar uma dificuldade. Já esta última, por sua vez, pode igualmente se manifestar ou se manter por diversos outros motivos, os quais pelo menos por agora não serão tratados.

Que fique muito claro: o medo não surge apenas e tão-somente derivado de uma sistemática desconsideração por si mesmo, mas tal elemento certamente contribui para que o sentimento possa ser elaborado. Por outro lado, isso também não transforma um perigo real em algo inofensivo, ou seja, o fato de haver um auto-rebaixamento não significa que um risco deixa de ter essa qualidade. Apesar de haver algo (ou alguém) que nos amedronta, e isso é um dado real, reputamos insípidaO ou ineficaz nosso poder de enfrentamento.

É preciso esclarecer igualmente que não se está aqui tentando elaborar uma imagem negativa ou fazer uma apologia contra qualquer instituição ou pessoas, mas sim desconstruindo um (ou vários) modelo(s) ou padrão(ões) que se mantêm presentes e contribuem diretamente para a insatisfação, sofrimento e/ou toda sorte de impedimentos internos para a efetivação de uma vida que é cheia de potencialidades as quais não são ou não estão ativadas em função da presença de obstáculos os mais variados, e o medo é um deles.

Um segundo aspecto a ser considerado é o poder de mobilização frente a uma situação na qual estamos amedrontados. Certamente é algo de muita importância, afinal de contas em vários momentos é por puro impulso que escapamos de perigos e isso faz toda diferença entre duas pessoas que estão na mesma circunstância, sendo que uma se salva e a outra não. Muita coisa contribui para que alguém consiga controlar o medo e a paralisia inerente, reagindo em sentido contrário e tomando a atitude necessária para superá-los. Um dos fatores essenciais é o (difícil) controle. Sobre ele falaremos adiante.
Onde começam nossos medos? Não é difícil perceber que há um dado tipicamente cultural na disseminação do medo, sendo essa a segunda raiz onde estão fincados nossos mais profundos receios. Ocorre que esta constatação diz respeito a algo mais profundo. A logística da construção do medo é, às vezes, explícita, mas pode apresentar configurações extremamente sutis. Em frases do tipo: “olha que o lobo mau vai te comer”, ou “cuidado para não se afogar (numa banheira de meio metro de profundidade (?)”, “não fale com fulano de tal, pois é louco e poderá lhe ferir”, ou ainda em bem montados ameaças brancas. Provavelmente alguma dessas já foram ouvidas em contextos e relatos diferentes mas podem ser vistas, também, como referências à milenar construção de estruturas de domínio ou controle. Explico.

Ao longo da trajetória humana inúmeros são os exemplos que demonstram como as formas de dominação (e controle) do homem pelo homem assumem variadas formas e meios. Nesse processo, o uso da violência é um dos que mais se tornou visível não apenas por expor as mazelas da ignorância acerca de si mesmo e do outro mas também por demonstrar as maneiras pelas quais se pode elaborar esquemas de representação simbólica que controlam e paralisam diante daquilo que se desconhece ou, por outro lado, se reputa atemorizante.

Medo, medo, medo. É retratado nos filmes de suspense ou terror, em clássicos da literatura, nas conversas em restaurantes, e em infinitas outras situações. Mas a tenacidade em reproduzir esta forma de ascendência pode extravasar o campo da matéria, dos sentidos ou do puro intelecto, chegando, por exemplo e como muitos entendem em doutrinas espiritualistas, a um enorme receio frente ao renascimento. Neste ponto, chegamos a uma terceira raiz da origem ou manutenção de nossos medos.

Freqüentemente o medo é associado ou entende-se originado daquilo que não se conhece. Temos medo do desconhecido. De fato, basta que em dada circunstância ocorra algo que lhe é absolutamente ignorado e seja entendido como um risco para que desencadeie processos internos de temor. Por outro lado, é perfeitamente possível que mesmo diante do ameaçador desconhecido é possível que não sintamos medo. Visualizemos o seguinte enredo.

Determinada pessoa publicamente sempre fez chacotas sobre a existência de discos voadores e civilizações extraterrestes, chegando às raias de alterar seu humor em discussões extremamente acaloradas sobre o assunto, afirmando que aquilo não passa de invenção de loucos ou pessoas infantis e que é um absurdo afirmar acerca da realidade de vida fora do planeta Terra. Numa bela noite, tal pessoa está despreocupadamente voltando de carro para sua casa, que fica fora da área urbana numa região de fazendas e sem iluminação pública.

Está embalada por uma suave música clássica quando, ao virar o rosto, percebe que...tem uma enorme nave pousada na rodovia! Suponha, ainda que esta mesma pessoa reconhece que se trata de uma nave espacial por relacionar tal imagem ou objeto a filmes anteriormente vistos. É possível que se faça uma inferência, no exemplo dado, no sentido de que uma provável reação seria a de dar meia volta no automóvel e fugir em louca disparada, pelo simples fato de avistar o veículo extraterrestre. Mas também é totalmente plausível supor que, ao contrário, a pessoa mencionada pare o carro e... queira entrar na nave! O quê a motivou a fazer isso? Curiosidade? Necessidade de comprovar sua “tese” da inexistência de discos voadores?

No exemplo acima o fato é que pode acontecer de sequer ser o caso da ocorrência do medo. Desta forma, talvez não seja apenas o desconhecido que catalize os processos internos de sua formação. É razoável pensar que estejamos diante de algo muito (mais?) profundo que contribua diretamente para que tenhamos medo, quedando-se a terceira raiz deste fenômeno num inegável aspecto da própria realidade fenomênica, a saber, o sofrimento. Explico.

O simples fato de integrar aquilo que se denomina realidade, ou seja, o fato mesmo da existência implica em sofrimento (físico, existencial, mental, espiritual). Sofremos por ter, por não ter, em razão da morte, da ruptura, fome, da guerra, da indiferença, da solidão e por infinitos motivos. Alguns entendem, inclusive, que há uma memória biológica e/ou psicológica relativa ao sofrimento, pois se por um lado padecemos por outro pode haver um movimento contrário ou de superação de tal situação. O fato é que toda criatura sofreu ou um dia sofrerá. E é também isso que tanto atormenta a raça humana, ou seja, o medo desencadeado pela memória ou iminência de experiências de sofrimento.

Assim como objetos deixados no armário que necessitam de naftalina para ali se manter, talvez precisando serem recolocados em outros lugares ou mesmo que a eles se dê novo destino, mantemos em nossa mentes a lembrança de sofrimentos passados ou formulamos possíveis sofrimentos à nossa frente. De tudo o que foi dito, podemos elaborar um pequeno slogan: SUPERE SEUS MEDOS! VIVA!

Acredito que o texto, como dito, contribua para que se possam iniciar novas percepções acerca do tema.

SEJA saúde...

Tulio














flajflajf

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